sábado, dezembro 22, 2012

Rosemary, a mulher do ano

Guilherme Fiuza, no Blog do Noblat

Nesses tempos de devoção às minorias, não é justo deixar de destacar a contribuição de Rosemary Noronha para a causa feminina. O Brasil progressista explode de orgulho por ser governado por uma mulher — que aliás deu a Rosemary sua chance de brilhar — e não pode agora se esquecer de reverenciar mais uma expoente do gênero. Assim como Dilma, Rose chegou lá. O fato de estar enrolada com a polícia é um detalhe.

Rose e Dilma escreveram seus nomes na história do Brasil por serem, ambas, utensílios de Lula. A finalidade de cada uma para o ex-presidente não vem ao caso. O que importa é que ambas funcionaram muito bem. Como se nota pelo ufanismo nacional em torno de Dilma, não se espera mais da mulher moderna opinião própria, autonomia e iniciativa. Basta botar um tailleur vermelho, um colar de pérolas e decorar suas falas. E muito importante: falar o mínimo, para errar pouco. Até outro dia isso era piada entre Miguel Falabella e Marisa Orth (“cala a boca, Magda!”). Hoje é sinal de poder.

O grande símbolo feminino brasileiro da atualidade, que desperta a admiração de Jane Fonda — que tempos! — não tinha feito nada de extraordinário na vida até ser levada pela mão do padrinho ao topo. O feminismo realmente mudou muito.

Lá chegando, seu maior mérito foi usar vestido e não ser o Lula (para os que não suportavam mais o ogro bravateiro), ou ser o Lula de vestido (para os que seguem venerando o filho do Brasil). Sem nenhum plano de governo, com um ministério fisiológico de cabo a rabo, sem um mísero ato de estadista em dois anos de mandato, Dilma se destaca por ser ou não ser Lula, dependendo do ponto de vista. É a apoteose da nulidade, que o Brasil progressista e feminista consagra com aprovação recorde.

Diante desses novos valores, seria injusto não consagrar Rosemary também. A representante da Presidência da República em São Paulo fez exatamente o que Dilma fez em Brasília: cacifada por Lula, passou a reger o parasitismo do PT, cuidando da nomeação de companheiros e dando blindagem política às suas peripécias para sucção do Estado.

No caso de Dilma, a grande orquestra fisiológica foi desmoronando ao vivo, com nada menos que sete ministros nomeados (e protegidos até o fim) por ela caindo de podres, graças à ação da imprensa. A mulher-modelo de Jane Fonda ainda havia parido uma Erenice, a quem preparava para ser a dama de ferro de seu governo (Jane não pode imaginar o que seria isso) — derrubada por fazer na Casa Civil algo muito parecido com as operações fantásticas de Rosemary. Até o uso da Anac como balcão de negócios se repetiu. Por que só Dilma é ícone feminino, se Rosemary mostrou ser um prodígio da mesma escola?

Por algum mistério insondável, a Polícia Federal não fez escutas nos telefones de Rose, ou diz que não fez. As conversas da mulher que regia uma quadrilha grudada em Lula, se apresentando como sua namorada, e que tramou até sabotagem ao julgamento do mensalão — o mesmo que Lula tentara com Gilmar Mendes — não interessou aos investigadores. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que não havia motivos para grampear Rosemary — uma suspeita que está impedida pela Justiça de sair de sua cidade. Esses ministros farsescos do PT podiam ao menos ser mais criativos. Mas não precisa, porque o Brasil engole qualquer coisa.

Marcos Valério disse que Lula teve despesas pagas pelo esquema do mensalão e autorizou operações bancárias do valerioduto. É comovente a desimportância atual dessas declarações. Lula é o líder de um projeto político montado para a permanência no poder a qualquer custo — e essa fraude está exaustivamente demonstrada pelo mensalão, por Dirceu, Erenice, Palocci, Pimentel, aloprados, Rosemary e praticamente todo o estado-maior petista, tanto de Lula quanto de Dilma, flagrados em tráfico de influência para se aferrar ao poder na marra. O que mais é preciso denunciar?

O eleitor brasileiro está brincando com fogo. Enquanto o desemprego estiver baixo, vai continuar afiançando a fraude que finge não ver. O país vai sendo empurrado com a barriga pelos fisiológicos — e essa conta vai chegar. O governo desistiu de controlar a inflação, que vai se afastando da meta (apesar da mudança de cálculo que reduziu o índice). A gastança pública é disfarçada com truques contábeis para esconder o déficit. A arrecadação brutal banca a farra dos companheiros, sem sobra para investimentos decentes — e tome literatura de trem-bala e tarifas mentirosas de energia, que já multiplicam os apagões por manutenção precária.

Como se viu na funesta CPI do Cachoeira, a mafiosa Delta comandava o planejamento da infraestrutura terrestre.

Mas está tudo bem, e oito governadores podem ir de cara limpa prestigiar Lula e sua democracia de aluguel. Se este é o país que queremos, Rosemary é a mulher do ano.

sexta-feira, dezembro 21, 2012

Criaturas do Estado

Miriam Leitão, no Blog do Noblat

O governo criou mais uma estatal. Não é notícia velha. Fez isso de novo ontem. Ao anunciar que privatizará os aeroportos do Galeão e de Confins, o governo deu à luz a Infraero Serviços. Quando divulgou o plano de investimento em ferrovia, criou a Empresa de Planejamento e Logística. Criou também a Segurobrás e a Amazul. Elas nascem do nada e são criaturas que se reproduzem.

Alguém tem que avisar à presidente Dilma Rousseff que o modelo econômico do governo militar fracassou. Naquele finado regime, que ela combateu, foram criadas estatais que se tornaram gigantes, deficitárias, ineficientes. Com raras e honrosas exceções.

Para que mesmo se quer uma segunda Infraero na hora que o governo está privatizando aeroportos? Pela explicação do responsável de plantão, a nova criatura vai atuar em parceria com operadores internacionais na prestação de serviços. Uma estatal que mal presta os serviços que deveria prestar cria agora uma nova empresa para especificamente prestar serviços.

Em agosto, criou-se a Agência Brasileira Gestora de Fundos e Garantias. Sua função era fazer o seguro dos riscos envolvidos no pacote de infraestrutura. O pacote, aliás, trouxe a bordo a estatal Empresa de Planejamento e Logística (EPL). A EPL nasceu da Etav, que havia sido criada para gerir o trem-bala. Além disso, o governo aumentou as funções da Valec, que vinha de escândalos e ineficiências.

Dias antes, também no mês de agosto, nasceu a Amazul, a empresa de número 126 no coletivo de estatais brasileiras. A Amazul, por sua vez, nasceu da Engepron. Ou seja, as engenhocas se reproduzem. O nome completo das distintas: Amazul, Amazônia Azul Tecnologias de Defesa; Engepron, Empresa Gerencial de Projetos Navais. Se você não está ligando o nome ao projeto, não está sozinho.

Em levantamento feito meses atrás, o jornal “Estado de S. Paulo” falava em oito estatais criadas nos governos Lula/Dilma. Mas a fábrica continuou ativa. Há as que não sobrevivem, mas antes de deixarem esse mundo consomem recursos públicos. Foi o que aconteceu com o Banco Popular do Brasil, que nasceu no final de 2003, teve prejuízo em 2004, começou a ser desativado em 2005 e foi oficialmente sepultado em 2010.

Outras sobrevivem, como a Petro-sal, que será responsável pela gestão dos contratos de partilha de produção e comercialização de petróleo e gás do pré-sal. Isso faz com que o Brasil tenha duas estatais de petróleo.

Foi criada uma empresa para fazer hemoderivados e outra para administrar unidades hospitalares, a EBSERVH. Uma para fazer chips, a Ceitec. Foi lançada também uma Empresa Brasileira do Legado Esportivo Brasil 2016. Ela já foi extinta e deixou como legado um prejuízo de R$ 4,6 milhões.

Uma das criaturas tem nome inesperado: Agnes. Quer dizer: Águas de Integração do Nordeste Setentrional. Como se pode imaginar, cuidará do Rio São Francisco quando ele for transposto. A Empresa de Planejamento Energético, ao contrário de várias das suas irmãs, tem existência no mundo real, mas uma parte do seu financiamento acaba de falecer. Recebia 3% da Reserva Global de Reversão, um penduricalho da conta de luz que foi extinto na última mudança do setor elétrico.

Empresas para produzir derivados de sangue, administrar hospitais, gerir águas de um rio, fabricar chips, criar equipamentos para a Marinha, cuidar de trens, comprar a oferta de carga dos trens, oferecer seguros para projetos estatais e prestar serviços aeroportuários dentro da estatal de infraestrutura aeroportuária. Você pode não saber para que servem, mas é seu o dinheiro que pagará a conta dos extemporâneos delírios estatistas de Brasília.

sábado, outubro 13, 2012

Ativos e passivos

Nelson Motta, no Blog do Noblat

Lula achava que ministro do Supremo Tribunal Federal era cargo de confiança, da sua cota pessoal, deles esperava lealdade, fidelidade e gratidão. Mas os ministros que nomeou não sabiam disso, e estão fazendo o que tem que ser feito, a começar por Joaquim Barbosa.

Até as absolvições de Lewandowski e Dias Toffoli servem para legitimar, como minoria, as condenações que a maioria acachapante do STF impôs aos réus do mensalão, que foram defendidos pela seleção brasileira de advogados.

Data venia, com invejável coragem e sem medo do ridículo e do opróbio, o ministro Lewandowski tem feito das tripas coração, ou vice-versa, e usado o seu notório saber jurídico para fechar a cadeia de comando do esquema em Delúbio Soares.

O ministro gosta de citações e poderia atualizar a frase do Rei Luís XV, prevendo o caos e a destruição se seu reinado caísse, “Après moi, le déluge” (“Depois de mim, o dilúvio”), para “Après moi, le Delúbio”. Porque, se chegasse a Dirceu, o dilúvio de lama levaria a Lula.

Afinal, se continuasse funcionando em silêncio, o esquema garantiria a hegemonia política absoluta do PT, com uma base de apoio de dar inveja a Chávez, e poderia manter o partido no poder por vinte anos. Totalmente autossustentável.

Era o que todo mundo fazia, só que muito mais bem feito. Como professor de matemática, Delúbio sabia que os números fechavam — e tendiam ao infinito. Os oito anos de Lula, e mais oito de Dirceu, estariam assegurados. Se Roberto Jefferson ficasse calado.

Era um golpe no Estado e na democracia, como julgou o presidente Carlos Ayres Britto, ironicamente de um partido obcecado pelo golpismo, acusação com que responde a qualquer crítica.

Não era um projeto de enriquecimento pessoal, uma ladroagem das elites e da direita, mas uma audaciosa manobra política, digna de um grande estrategista como o capitão do time em que Lula era o técnico e o dono da bola, batia córner e cabeceava, dava os passes e fazia os gols, além de morder a canela dos adversários para proteger sua meta e defender os companheiros dos juízes, aos gritos. Como não saberia quem patrocinava o time?

sábado, junho 09, 2012

Orlando Porto

Ivan Lessa, na BBC Brasil

Orlando Porto. Taí um nome como outro qualquer. Podia ser corretor de imóveis, deputado, ministro, farmacêutico. Mas não é. Trata-se de um anagrama de um escritor francês – e ator e ilustrador bom e autor e figurinha difícil francesa e aquilo que se poderia chamar de "frasista".

Feio como um demônio, no meio da década de 50 cansei de dar com ele dando comigo lá pelo Boulevard St. Germain, xeretando o Flore, o Lipp, fazia uma cara que quem ia dizer algo importante e logo sumia na companhia do Jean-Pierre Léaud, aquele maluquinho dos filmes autobiográficos do Truffaut.

Dupla estranha. Os desenhos do — esse seu nome, artístico ou de batismo, Roland Topor — eram bacaninhas. Mas sempre foi Orlando Porto para mim.

Fez cinema também. O Inquilino do Polanski, o Reinfeld de Nosferatu, do Werner Herzog. Até que bateu o que ocultava seus pés: umas botas estranhas como ele.

De vez em quando, numa revista esotérica, dou com ele. Ei-lo numa em inglês com "100 boas frases para eu matar agorinha mesmo". Se chegou ao fim, e chegou, foi pelo cachê. Meros galicismos literários.

E aí trago à cena, mais uma vez, porque cismei, mestre Millôr Fernandes. Esse era profissional. Nada a ver com "frasista". Trabalhava com a enxada dura da língua. Nunca para dar a cara no Flore, principalmente com Topor e Léaud.

Reli umas 100 frases do Orlando, ou Topor, e não resisti à tentação de, em algumas delas dar-lhes uma ginga por cima e outra por baixo, à maneira do frescobol querido do mestre, só para exercitar os músculos muito fora de forma.

Cem razões: Faço por bem menos, mas mais Copacabana e Leblon. Algumas raquetadas minhas em homenagem ao mestre cuja falta continuo sentindo:

- Melhor maneira de verificar, antes, se já não estou morto.

- Mas não se mata cavalos e malfeitores?

- Pelo menos eu driblaria o câncer.

- Milênio algum jamais me assustará.

- Apanhei-te horóscopo! Pura enganação!

- Levo comigo a reputação de meu terapeuta.

- Pronto, agora não voto mais mesmo! Chegou!

- Aí está: uma cura definitiva para a calvície.

- Enfim cavaleiro do reino de sei lá o quê.

- A vida está pelos olhos da cara. Pra morte eles fazem um precinho especial, combinado?

- Enfim, ano bissexto nunca mais. Esses ficam para o Jaguar. O resto pro Ziraldo.

- Ao menos é uma boca de menos a sustentar.

- Só quero ver quanta gente vai sincera no meu funeral.

- Pronto! Inaugurei estilo novo: Arte Morta.

- Sabe que minha vida não daria um filme. O livro eu já escrevi. Deixem o desgraçado em paz, peço-lhes.

- Custou, mas estou acima de qualquer lei que vocês bolarem aí.

- Levou tempo, mas cortei enfim meu cordão umbilical.

- Roncar, nunca mais. Nem eu nem ninguém ao meu lado.

- Que desperdício nunca ter fumado em minha vida!

- Consegui preservar o mistério sempre giarando em meu torno.

- Maioria silenciosa? Essa agora é comigo.

- Na verdade, nunca me senti à vontade nessa posição incômoda de cidadão do mundo.

- Ei, juventude, pode vir que pelo menos uma vaga esrá aberta.

- Emagrecer é isso aqui.

- Agora é conferir se, do outro lado, sobraram tantas virgens assim.

E assim, cada vez que um "frasista" passar por perto de mim, leve uma nossa: minha e de Millôr. Dois contra um a gente ganha mole.

Esta foi a última coluna escrita por Ivan Lessa, publicada no dia 9/6/2012, mesmo dia do seu falecimento em Londres.

segunda-feira, julho 18, 2011

Oito copos de água

Ivan Lessa, na BBC Brasil

Nós todos, a humanidade, para sobrevivermos, precisamos de oito copos de água (cada um de 8 onças líquidas) por dia. A isso chamam de "a lei dos 8 x 8".

Não me canso de ver gente, principalmente agora, no verão, carregando sua garrafinha, ou garrafona, de água na mão. Nas ruas, teatros, cinemas, na condução, onde estiverem.

Há inclusive, pegando uma bela carona na superstição (já chego lá), cinturões especiais de fino material e acabamento, muitos de grife, que vêm com o espaço para encaixar aquele que já foi o "precioso líquido" e hoje substitui, com desvantagem, creio, o cigarrinho ora proibido.

Os médicos recomendam os tais "8 x 8". Aqueles mesmos senhores que não sabem o que é nem como atua no organismo humano a aspirina.

Felizmente, como em toda profissão, há, aqui e ali, lampejos de sensatez. Que é o caso da doutora Margaret McCartney, de Glasgow, na Escócia, que, em artigo publicado há pouco na mais respeitada publicação, talvez mundial, do gênero, o British Medical Journal revelou o que nós, pessoas sóbrias e equilibradas, sempre desconfiamos – mais: sempre soubemos -: qual seja, isso é exagero.

A dra. McCartney vai mais longe, pois como boa escocesa não tem meias-palavras, só palavras completas. Diz ela, a uma certa altura que esses 8 copos de água por dia constituem "um absurdo que chega ao ridículo".

Enfileirando com o devido rigor sua argumentação, ela afirma o que seus colegas de profissão sempre souberam: não há nenhuma prova científica de que o corpo humano precisa de tanta água por dia. E prossegue dizendo que o corpo humano regula seu próprio consumo de água quando necessita substituir o consumo do fluido em questão.

A ilustre doutora McCartney é definitiva em seu esboço de tratado. O corpo humano quando precisa mesmo de água tem sede. Esse o mecanismo báscio a ser posto em funcionamento.

Tudo depende da atividade em que o indivíduo está envolvido e quanta água contém o que ele ingere na comida. Isso para não falar de fatores como o calor e as condições médicas da pessoa.

Para os que, além de viciados (não há outra palavra) em água, são ainda chegados a uma reciclagem, saibam que 1 tonelada e 500 milhões de quilos de plástico são utilizados pela indústria potável em recipientes plásticos, por sinal de difícil e dispendiosa reciclagem.

Parabéns pois à Volvic e à Evian por contribuir para a ignorância da plebe dita "esclarecida", para não dizer maníaca também, pelo produto inodoro e insípido que faz, para uns poucos, lucros de milhões e aufere para um dinheirinho razoável para seus acionistas.

Heinz Valtin, fisiologista americano, não encontrou em suas pesquisas, motivadas pelo ensaio da dra. McCartney, nenhuma referência aos tais 8 copos de água diários "imprescindíveis" para nossa saúde.

Apenas que, em 1945, a Junta de Nutrição de seu país opinou (eram mais tolerantes então) que o que comemos já possui os fluidos necessários para o nosso funcionamento adequado.

No que voltamos ao lendário popular. Consta das crendices dos menos dotados de luz que 8 copos de água diários são sensacionais para tratar de infecções do trato urinário e melhorar a tonalidade da pele, além de reduzir as dores de cabeça e auxiliar nos casos de constipação, que, aliás, acrescenta Valtin, os rins cuidam do problema diretinho, sem auxílo de qualquer copo de água de grife ou sem grife.

Portanto, vamos parar de fazer rolar esse aguaceiro desatinado. E, com a devida moderação, optar pela boa e velha água de bica. Que é grátis.

domingo, julho 03, 2011

A raiva na internet ou desabafo da 'lôraburra'

Martha Mendonça, editora-assistente da revista Época

Um dos assuntos da semana foi o vídeo de Chico Buarque falando de como as pessoas são raivosas na Internet. O compositor, que está em processo de divulgação de seu novo disco, diz que, até começar a ler o que se falava sobre ele na rede, acreditava que era amado. As pessoas sempre foram aos seus shows, cantavam, aplaudiam, o cumprimentavam nas ruas. Gostam de mim, imaginou. Mas a curiosidade o levou a querer saber o que mais se dizia dele. “Descobri que na verdade sou odiado”. Na internet, era chamado de velho, ultrapassado, bêbado. Sempre com raiva. Muita raiva.

Na semana passada, o roteirista de humor e ator Bruno Mazzeo foi ao Programa do Jô e falou de assunto semelhante. Comentou sobre “a raiva na internet”. No Twitter, ele é xingado, rotulado, achincalhado. Explicou que não consegue deixar de responder a algumas coisas – embora saiba que o melhor mesmo é ignorar.

Não somos famosas como Chico e Bruno. Mas aqui no Mulher 7×7 também sofremos com a “raiva na internet”. É algo de que qualquer pessoa que tenha site, blog ou conta em rede social e é minimamente lido não escapa.

Não está fácil colocar a cara na internet.

Outro dia, escrevi um post no smartphone, com pressa. Depois publiquei – e tinha erros de digitação. Foi um alvoroço. Em vez de comentarem o assunto polêmico do post, os comentários focavam nos meus erros. Como a editora-assistente da revista Época poderia errar assim? Que profissional negligente! Não eram erros de português, mas claramente de digitação. Claro que estamos aqui para buscar a perfeição. O leitor merece todo nosso cuidado. Mas aconteceu. Acontece. Bastaria um comentário educado: olá, o texto está com erros de digitação, dê uma olhadinha, blogueira. É ótimo sentir a cooperação dos leitores.

Mas não. É preciso agredir. É preciso colocar a “raiva na internet” pra fora.

Até agora estamos falando de forma. Quando é caso de conteúdo, a coisa sobe a níveis altíssimos. Opiniões não podem ser apenas confrontadas. O dono delas precisa ser pisado, massacrado.

Como assim aquela pessoa que tem uma opinião diferente da sua tem um espaço importante na rede e você não?? Que assunto ridículo, caro blogueiro, não tem nenhuma tema melhor, não?? E dá-lhe ofensa! Tudo, claro, quase sempre protegido pelo anonimato. Ah, o anonimato! Nada como ser uma voz solta no ar, sem rosto, sem identificação!

Se puder tecer considerações negativas a respeito da aparência de quem escreve, melhor. Perdi a conta de quantas vezes fui chamada de “lôraburra” nos comentários – no último deles, me chamando de… “preconceituosa”. Digamos que eu tivesse sido mesmo. Mas e o preconceito contra as louras? No mesmo post, outro leitor também disse que eu estava sendo preconceituosa e acrescentou que eu tinha… “cara de síndrome de down”.

???

Li um tweet ontem, do humorista Murilo Gun: “Casal de lésbicas veio reclamar de uma piada minha. No show, elas riram de piadas sobre gordos e nordestinos. Mas quando as atinge não tem graça”.

Quase todo mundo é assim. O gordo ri do anão, o anão ri no negro, o negro ri do gay, o gay ri do nordestino, o nordestino ri da loura, a loura ri do feio, o feio ri do deficiente, o deficiente ri do gordo…

(E por falar em humorista, humor é algo que muitos não entendem. Tomam tudo ao pé da letra. Toda essa patrulha tem razão de ser, é um sinal de que estamos desenvolvendo o respeito aos direitos humanos. O exagero faz o mundo ficar muito chato – mas acredito que daqui a pouco as coisas vão se equilibrar.)

Tudo que eu disse aqui, talvez misturando alguns canais, em tom de desabafo, exclui totalmente o leitor/comentarista que discorda de alguma coisa que dissemos – com elegância. Esse é o melhor. O que concorda é igualmente bem-vindo, claro (afinal, concordar ainda é possível!). Mas o que contra-argumenta é o motor das discussões educadas e inteligentes.

Portanto, se for o caso, discordem de tudo que eu disse acima – mas sem raiva, por favor.

terça-feira, junho 28, 2011

Não aguento

Do Blog do Xexéo

Eu não aguento mais pessoas que começam qualquer frase com a expressão "Na verdade..." Nem aquelas que respondem qualquer pergunta dizendo "Com certeza!". Nem mesmo as que, antes de terminar um pensamento, acrescentam um "enfim" ao discurso.

Não aguento aqueles que, diante do caos em qualquer aeroporto, comentam "Imagina como vai ser em 2014". Ou gente que, em qualquer engarrafamento de trânsito, suspira: "Imagina como vai ser em 2014". Ou os moradores do Rio que, diante de um bueiro entupido, preveem: "Imagina como vai ser em 2014".

Eu não aguento mais atrizes de novela que analisam seus personagens dizendo "Foi um presente do Gilberto" (ou do Maneco, ou do Aguinaldo, ou da Maria Adelaide). Ou aquelas que, tentando definir o parceiro ideal, afirmam que "humor é fundamental". Não aguento as que nunca protagonizam a novela das oito, mas fingem que não se importam porque "é muito melhor fazer a vilã". Ou ainda as que celebram a profissão de atriz porque, assim, podem "viver muitas vidas".

Não aguento participantes da "Dança dos famosos" que dizem que a disputa provou sua "capacidade de superação". Nem jogadores de futebol que, após a vitória de seu time, valorizam sua "capacidade de superação". Muito menos modelos que após uma ida e volta na passarela do Fashion Rio sentem-se aliviadas por sua "capacidade de superação".

Eu não aguento mais comentaristas de moda na televisão analisando o "look" dos desfiles. Nem a supervalorização dos seriados da TV americana. E atores do palco agradecendo "aos deuses do teatro".

Eu não aguento mais prefeitos e governadores justificando atrasos nas obras porque “o edital está em fase de finalização”. Eu não aguento políticos do PT pedindo que a oposição "não politize" o escândalo mais recente do partido. Nem os ministros do Governo chamando a presidente Dilma de "presidenta".

Eu não aguento mais ninguém dizendo que as redes sociais são "uma poderosa ferramenta de comunicação". Não aguento filmes em 3D. Nem gente que se acha na obrigação de comprar o iPhone 6, quando lê o anúncio do lançamento para breve do iPhone 5.

Não aguento mais médicos diagnosticando como "virose" tudo que eles não sabem bem o que é. Nem pesquisas científicas amaldiçoando o ovo e seus efeitos no colesterol, anos depois de o ovo ter sido abençoado por pesquisas científicas porque, afinal, o ovo tem bom colesterol, apesar de, anos antes, outras pesquisas já terem amaldiçoado o ovo etc etc etc.

Eu não aguento mais a Regina Casé bancando a simpática. Nem a comoção nacional em torno do fim do Exalta Samba. Muito menos algum artista jovem que recebe prêmio, gritando na boca de cena "Valeu, galera!". Eu não aguento mais o Luan Santana.