sábado, agosto 20, 2005

Paraguai abre as portas para Bush

O colunista Mauro Santayana, da Agência Carta Maior, acaba de revelar (no site do UOL) um fato tão ou mais preocupante do que o escândalo do mensalão:

"Com os olhos em Roberto Jefferson, não estamos atentos ao que se passa ali, no Paraguai. O governo de Assunção acaba de autorizar o estacionamento de tropas norte-americanas em seu território. Pela primeira vez teremos bases estrangeiras permanentes na América do Sul, e em região estratégica continental. Nessa tríplice fronteira se encontra a maior represa do mundo, a de Itaipu, de cuja energia todo o território paraguaio e grande parte do território brasileiro dependem. A região é também das mais férteis do mundo e se encontra mais ou menos na eqüidistância dos dois oceanos. Temos relações historicamente difíceis com o Paraguai, desde a guerra contra López. Os revisionistas procuram culpar o Brasil pelo conflito, mas a isso fomos levados pelo fechamento do Rio Paraguai aos nossos barcos e, em seguida, pela invasão de grande parte do território do Mato Grosso. Não coube ao Brasil a iniciativa da agressão. É certo que o genro do Imperador Pedro II foi particularmente cruel com a população derrotada e, talvez por isso, tenhamos cedido em tudo nas nossas relações com o país vizinho. Não sabemos se o Paraguai nos comunicou essa decisão perigosa. É provável que não. A submissão paraguaia aos Estados Unidos é tão forte que este colunista, há quarenta anos, ao descer em Assunção, encontrou o aeroporto tomado por tropas formadas, ao lado de colegiais que agitavam bandeirolas norte-americanas. Procurou saber o que ocorria: o funcionário do Departamento de Estado que cuidava dos assuntos do Paraguai estava chegando em visita oficial a Assunção".

Com o governo fragilizado pela crise política, tudo o que o Brasil não precisava, nesse momento, era ter que lidar com tropas americanas fazendo piquenique no quintal do vizinho.

Publicado no RA em 05/07/2005.

A culpa de Lula

Clóvis Rossi

Helmut Kohl foi o líder político que conduziu o processo de reunificação da Alemanha, tarefa ciclópica. Deu certo - claro que com os problemas inerentes à imensidão do desafio. Kohl, portanto, é um formidável herói, cultuado por seus concidadãos, certo? Mais ou menos. Na verdade, Kohl está no ostracismo, mesmo agora que seu partido, a CDU (democracia-cristã) tem grandes chances de voltar ao poder. Motivo: um escândalo em torno de financiamento irregular de campanha eleitoral.

Familiar? Pois é. E o dinheiro, diga-se, nem foi para o bolso de Kohl. Pagou assim mesmo o preço político. Por que, então, Luiz Inácio Lula da Silva deve ser inocentado a priori? Se há culpas no PT, como se deduz da pressão do próprio Lula para afastar a cúpula partidária, o presidente não pode ficar imune. Não se trata, como no caso alemão, de suspeitar de que Lula tenha posto dinheiro no próprio bolso, mas de ter claro que as irregularidades de que são suspeitos os dirigentes do PT visavam beneficiar o partido, sim, mas o governo do partido também. Digamos que Lula não soubesse de nada. É inocente por isso? Não. É culpado por omissão. No mínimo, por ter aceitado que outros líderes do partido aparelhassem o PT para agir em benefício do governo e da reeleição do principal líder petista.

Antes que os descerebrados adeptos da teoria da conspiração comecem a berrar, já vou avisando: não, não é o caso de impeachment. Pelo menos com o que se sabe até agora. Mas já é, sim, o caso de uma distribuição adequada de responsabilidades. A defenestração da cúpula do PT pode ajudar o governo a sair da catatonia e a encontrar uma linha de defesa menos inepta, mas não basta para inocentar o presidente.

Artigo publicado na Folha de São Paulo em 05/07/2005 e reproduzido no RA em 07/07/2005.

Dirceu Borboleta e Roberto Dinamite

Acabo de encontrar uma autêntica pérola no site do Jornal do Commercio, de Recife, que passo agora para vocês na íntegra. O autor do artigo disfarçado de fábula (do dia 24/06) é José Adalberto Ribeiro, desde já, nome de destaque na minha galeria de admiráveis.

"Um passarinho à moda de Dias Gomes e Monteiro Lobato me contou que o Bem Amado era um Príncipe barbado que governava o reino encantado de Sucupira. Dirceu Borboleta era um secretário muito treloso e cavernoso. Dirceu Borboleta vivia enfurnado nas cavernas do poder em Brasília, aliás, nas cavernas de Sucupira. Um belo dia, que por sinal não era tão belo, o cangaceiro Zeca Diabo vestiu a fantasia de Roberto Jefferson Dinamite e resolveu enfrentar o Dirceu das borboletas vermelhas, dos sapos barbados e das cobras criadas. Marcaram um duelo na Praça da Paz Celestial dos Três Poderes em Brasília. Zeca Diabo estava armado até os cotovelos para enfrentar o criador de borboletas e de serpentes vermelhas. Roberto Dinamite também vinha de longe, era criador de cobras colloridas. Todos os bichos foram convocados para assistir ao duelo das borboletas vermelhas e das cobras colloridas. Um papagaio de pirata anunciou: 'Respeitável público, este será um duelo de potência versus potência'. A macacada delirou, delirou!

O cangaceiro Roberto Dinamite, na pele de Zeca Diabo, contou ao Bem Amado barbado que Dirceu Borboleta exercitava as artes de Pedro Malasartes nos jardins suspensos das Babilônias de Brasília. Também incorporava o espírito do endiabrado monge Rasputin na Esplanada dos Monastérios. Rasputin era aquele mal cheiroso, com fama de milagreiro e as barbas de bode que enfeitiçava a aristocracia e exercia o poder à sombra dos czares nos tempos da Rússia imperial. O Rasputin tupiniquim montou um cordão de isolamento para impedir que a rafaméia se aproximasse do Bem Amado barbado. Quando tomava um chá de pir-lim-pim-pim, o Dirceu das Borboletas vermelhas era capaz de pisar no pescoço de deputados e senadores para exercer suas artes de Malasartes.

O cangaceiro Zeca Diabo na pele de Roberto Dinamite contou as estripulias do colecionador de borboletas vermelhas e de cobras criadas. Por ser inocente feito o Chapeuzinho Vermelho, o Bem Amado barbado não sabia das estripulias de Dirceu Borboleta. Ficou de queixo caído e desmanchou-se em lágrimas no muro das lamentações de uma esquina de Sucupira em Brasília. Ao cruzar a Ipiranga e a Avenida São João, alguma coisa aconteceu no coração encarnado do Bem Amado e ele mandou expulsar o Rasputin tupininquim dos paraísos do poder. Subitamente, não mais que subitamente, o ministro da Gandaia, Gilberto Gil, entrou na linha para consolar o Bem Amado e o Dirceu das borboletas vermelhas:

'Não, não chore mais! Não, não chore mais!
Bem que eu me lembro, a gente sentado ali,
Na grama do aterro do Palácio do Planalto sob o sol.
Observando estrelas vermelhas do PT junto a figurinhas de papel.
Amigos presos pelas operações da Polícia Federal, amigos sumindo assim, pra nunca mais.
Não, não chore mais! Não, não chore mais!
Bem que eu me lembro, a gente sentado ali,
Na grama do aterro do Planalto sob o céu.
Observando hipócritas disfarçados do PTB rondando ao redor.
Nas recordações do caixa 2 de Delúbio Soares,
retrato do mal em si.
Melhor é deixar pra trás as propinas pagas pelos genuínos comissários stalinistas aos traíras de Roberto Dinamite.
Tudo, tudo vai dar certo na CPI do mensalão, tudo vai dar pé'.

'Saio de mãos limpas', proclamou Dirceu Borboleta depois de utilizar creolina, permaganato de potássio, ácido clorídrico, desinfetantes, sabão Omo dupla ação, sabão Minerva, água sanitária Dragão e o detergente Ipê da bonitona Suzana Vieira. Dirceu Borboleta e o genuíno comissário dos povos stalinistas propagam: 'Hay que distribuir propinas a aliados governistas, pero sem perder la ternura jamais'.

Como diria o portuga, o mundo gira, a lusitana roda, a mula manca e assim caminha a humanidade dos povos barbudos e dos sapos barbados".

Postado no RA em 26/06/2005.

Para lavar a alma

Tenho acompanhado atentamente a vida – política, literária e jornalística – de Fernando Gabeira desde a sua histórica entrevista ao também histórico Pasquim em 1978. Nessa época, ele ainda vivia o seu longo exílio na Europa, depois de ter participado do seqüestro do embaixador americano Burke Elbrick, nove anos antes no Rio de Janeiro, que resultou na libertação de 13 presos políticos, entre eles, o nosso velho conhecido José Dirceu. Autor de onze livros e centenas de artigos publicados na Folha de São Paulo depois da volta ao Brasil em 1979, Gabeira é - desde 1994 - Deputado Federal pelo Partido Verde (sempre com o apoio do meu modesto voto), um dos mais lúcidos e atuantes da Câmara. Lá mesmo, anteontem (dia 22), depois do decepcionante discurso de José Dirceu (quando o ex-companheiro de armas nem tocou no assunto do mensalão e defendeu a ética e o combate à corrupção), Gabeira subiu à tribuna e lavou a alma de todos os que ainda sonham com justiça nesse nosso imenso e desigual país tropical. A Folha de ontem reproduziu um dos trechos mais importantes do discurso, que agora eu também tomo a liberdade de mostrar a vocês.

Fala Gabeira:

"Eu quero apenas dizer que a passagem dele (José Dirceu) por aqui permitiu um debate, e eu estou esperando que ele se desvencilhe de seus problemas criminais e de sua acareação com o deputado Roberto Jefferson para tratar da questão política: do atentado contra a democracia, como comprar deputados no Congresso; do atentado contra a humanidade, que foi a morte das crianças indígenas em Dourados, morte das crianças indígenas provocada por incompetência e corrupção do PT - os documentos nós entregamos ao Ministério Público. E, finalmente, denunciá-lo pelos crimes que cometeu contra o planeta.

Ele foi encarregado de um programa que não funcionou. E o próprio Partido dos Trabalhadores se meteu na floresta em atividades de destruição da nossa mata. Portanto, promoveu um crime contra a democracia, um crime contra a humanidade, especialmente o crime contra os índios, que eu jamais esquecerei. E vou demonstrar, finalmente, ao Brasil que quem matou essas crianças foram a incompetência e a corrupção do Partido dos Trabalhadores de Mato Grosso do Sul. Não estou acusando o Partido dos Trabalhadores no conjunto.

Finalmente, vou demonstrar que a floresta foi destruída com a cumplicidade do Partido dos Trabalhadores. Assim, são três crimes: contra a democracia, subornando o Parlamento; contra a humanidade, matando crianças índias e contra o Planeta, destruindo a Floresta Amazônica".

E agora, Zé Dirceu? E agora, PT?

Postado no RA em 24/06/2005.