sábado, fevereiro 03, 2007

O doce reencontro de Collor com o PT

Artigo de Ruy Fabiano para o Blog do Noblat

Uma foto vale por mil palavras, diz o axioma jornalístico. Nada o confirma mais que o emblemático (quase afetuoso) encontro entre os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP) e Fernando Collor (PTB-AL), quinta-feira, 1º, no plenário do Senado.

A foto, publicada em todos os jornais, vale (parafraseando Lula) por um tratado sociológico da política brasileira das duas últimas décadas. Collor, há 14 anos, perdeu o mandato de presidente da República por decisão do Senado. Suplicy não apenas estava entre os que o condenaram, como, bem mais que isso, funcionou como uma espécie de promotor e investigador ao longo do processo.

Ninguém o excedeu na implacabilidade acusatória. Chegou a denunciar o parlamentar que mais defendia Collor, o ex-deputado Roberto Jefferson (sempre ele), de ter recebido quantia milionária para fazê-lo. Não tinha provas, mas o acusou – e, na ocasião, a palavra do PT tinha fé pública e equivalia a uma prova material.

A ironia histórica é que o mesmo PT que no passado o condenou – e que continua tendo em Suplicy um de seus luminares - é hoje, ainda que involuntariamente, o fator mais convincente de sua absolvição. E não exatamente pelo sorriso amarelo de Suplicy, captado pelas lentes dos fotógrafos, mas pelo espetáculo escatológico protagonizado no exercício do Poder.

Nada poderia tornar Collor mais palatável aos olhos do eleitor que o governo Lula, que o excedeu quilometricamente na escala e abrangência das práticas anti-republicanas. Collor, vê-se agora, era um ingênuo artesão, diante do PT governista. As práticas que o condenaram há 14 anos reproduziram-se, na gestão petista, em escala macroindustrial.

PC Farias, seu tesoureiro, era um amador diante da máquina petista produtora de dinheiro, pilotada, entre outros, por especialistas como Delúbio Soares, Sílvio Pereira, José Genoíno e José Dirceu. Os critérios que o PT empregou para julgar Collor levariam o governo Lula ao impeachment já no caso Waldomiro Diniz, que precedeu em 16 meses as denúncias de Roberto Jefferson. Diniz, que era subchefe da Casa Civil e articulador palaciano no Congresso, foi flagrado pedindo a um bicheiro dinheiro para a campanha eleitoral do PT e um percentual para si próprio, que ninguém é de ferro.

Demitiu-se, mas não foi responsabilizado criminalmente. Nem gerou qualquer conseqüência política a seus superiores imediatos – José Dirceu e Lula. No ano seguinte, Jefferson traz à tona o Mensalão, com o vasto cortejo de denúncias que todos conhecem. Imagine-se o que ocorreria se os critérios invocados contra Collor tivessem sido aplicados contra Lula ao longo daquele processo.

O raciocínio também pode ser invertido. Se a (digamos assim) flexibilidade dialética adotada na avaliação do caso Lula houvesse sido proporcionada a Collor, ele não teria sido apeado da Presidência. No máximo, ouviria de críticos e correligionários (como agora) que tudo, afinal, teria sido fruto de um sistema pervertido, para o qual tornava-se imperativa uma reforma política. E essa reforma, depois de clamada e proclamada pelos seus articuladores políticos, seria posta de lado, para novamente ser acionada na próxima crise.

PC Faria, por sua vez, não teria sido preso ou perseguido. No máximo, a exemplo de seus congêneres petistas, seria submetido a um silêncio obsequioso, em local afastado da ribalta política. Collor, porém, governou numa época em que o exercício da oposição, em que o PT pontificava, era efetivo - e os fundamentos éticos ainda
não estavam submetidos ao relativismo atual.

Sorte do país, azar o dele – equação que presentemente se inverte em relação a Lula, beneficiário da teoria da relatividade aplicada ao campo da moral. O mesmo PT que ontem pedia prisão e cassação de Jader Barbalho por desvio de dinheiro público hoje o tem como um de seus mais importantes interlocutores no PMDB, partido com o qual dará sustentação política ao segundo governo Lula.

Convém não esquecer: o PT, hoje tão compreensivo com as mazelas humanas, é o mesmo que, na oposição, chegou ao requinte de implacabilidade de comandar a cassação e lichamento público de um senador, o paraibano Humberto Lucena, pelo horroroso delito de ter mandado imprimir um calendário na gráfica do Senado.

A cassação consumou-se no Judiciário, mais precisamente no TSE, mas a campanha ganhou ressonância na mídia graças à retórica implacável do PT – e José Dirceu, vejam só, era um de seus mais eloqüentes incentivadores. O sorriso amarelo do senador Suplicy, na mencionada foto, vale, sim, por um tratado – e não apenas sociológico, mas também moral.