domingo, março 30, 2008

Prática da caminhada aumenta no mundo

Do La Vanguardia

Praticar o "trekking", ou caminhada, para mergulhar em culturas longínquas ou simplesmente desconectar-se de uma vida urbana demais, se transformou no tipo de férias e escapada preferido de um número cada vez maior de cidadãos. Mais de 15 milhões de europeus saem habitualmente para longas caminhadas nos fins de semana, segundo dados da European Ramblers' Association citados por seu vice-presidente, Juan Mari Feliu. Nos últimos anos foram criadas dezenas de empresas dedicadas a organizar excursões de fim de semana; as agências de viagens viram disparar a demanda por férias ligadas ao trekking; proliferaram sites na Web especializados em caminhadas, com milhares de visitas diárias, e se multiplicou o número de associados aos clubes de excursionismo.

Uma necessidade urbana

As caminhadas correspondem ao desejo da sociedade de descobrir o território de maneira pausada. "Antes, no mundo rural, não sentiam a necessidade vital da natureza, mas hoje temos uma forma de vida sedentária, estamos cercados de concreto e as pessoas precisam da paisagem, percorrê-la com todos os sentidos...", reflete Eduardo Martínez de Pisón, catedrático de geografia na Universidade Autônoma de Madri.

Os especialistas acreditam que o trekking não pode ser entendido fora das sociedades urbanas. "As pessoas do campo não sentiam a necessidade de sair andando; é da cidade e da cultura que nasce a prática das caminhadas. O fato de poder decidir ir a pé é algo quase aristocrático, no sentido de que o tempo é um privilégio. Renuncia-se a ver muitas coisas para vê-las mais intensamente; é uma opção relacionada com a rejeição da banalidade. As pessoas fazem muitas coisas, mas são poucas as que as preenchem", considera Rafael López-Monné, geógrafo, estudioso do trekking e diretor editorial da coleção de guias De Ferradura (Arola).

Questão de equilíbrio

Na opinião dos estudiosos do fenômeno, andar supera a dimensão do mero entretenimento; trata-se de praticar atividades que nos ajudam a compensar os desequilíbrios provocados pelos estilos de vida atuais. "Diante dos ritmos tão acelerados que praticamos, procuramos uma atividade de contraste, que nos permita entrar lentamente em contato com a natureza e o patrimônio. Além disso, exige um esforço físico que pode ser modulado de acordo com as capacidades de cada pessoa", acrescenta López-Monné.

"Sabíamos que o sucesso do trekking na Europa chegaria à Espanha. Ficou na moda porque é um lazer muito criativo, acessível aos diversos bolsos e com muitos benefícios para a saúde. Você vai ao médico e ele diz: pare de fumar e de beber álcool e caminhe. Podemos andar sem limite de idade, enquanto em outros esportes é preciso se aposentar com certa idade", opina Antonio Durmo, coordenador de caminhadas da Federação Espanhola de Esportes de Montanha e Escalada (Fedme). A federação indica que em cinco anos o número de licenças federativas aumentou cerca de 30%, passando de 55.127 para cerca de 76.500. mas esse último número não exemplifica a dimensão do fenômeno, pois a maioria das pessoas que sai para caminhar não é afiliada a nenhum clube, apenas vai livremente.

Mais quilômetros de caminhos

Outros indicadores que corroboram esse boom são o aumento de empresas de guias e de produtos para trekking; a participação de prefeituras e outras administrações na recuperação de trilhas e na promoção turística dessa atividade; o aumento das férias voltadas para caminhadas ou as visitas aos parques nacionais espanhóis, que em cinco anos aumentaram em um milhão de pessoas, situando-se em cerca de 11 milhões em 2006. O número de quilômetros de trilhas sinalizadas e homologadas pela Fedme -percurso longo ou curto ou trilha local- aumentou, passando de 37.192 em 2003 para os atuais 49.022, aos quais se devem somar cerca de 10 mil quilômetros que estão em projeto. O último percurso longo que foi habilitado é o que acompanha o curso do rio Ebro.

Poder de convocação

Outros dados que confirmam essa tendência é o número de inscritos em caminhadas populares ou o dos peregrinos que percorrem grandes rotas como o caminho de Santiago de Compostela. Uma das travessias míticas, a de Matagalls-Montserrat, de 83,3 km com 6 de desnível, vê a participação aumentar a cada ano; na última edição foram cerca de 3 mil inscritos, contra 1.800 em 2001, indica Francesc Sanahuja, presidente do Clube Excursionista de Grácia, a entidade organizadora. O caminho de Santiago é outro barômetro: em dez anos o número de peregrinos que receberam a Compostelana -os que completam no mínimo 100 quilômetros a pé ou 200 de bicicleta- passou de 17.934 para 93.953.

Para Enrique González, responsável pela área de trekking do Taranná Club de Viatges, a atração pelas caminhadas não corresponde apenas ao desejo de desfrutar do ar livre e romper o cotidiano da cidade, mas também "à necessidade de sociabilizar-se", de conhecer gente. Ele cita o exemplo da proliferação de agências em Madri que se especializaram em vender uma espécie de trekking light, isto é, excursões de baixa intensidade combinadas com uma forte oferta cultural.

Em relação ao âmbito das viagens, o Taranná multiplicou "no mínimo por cinco as vendas de pacotes de trekking". Deve-se explicar que a palavra "trekking" é associada a caminhadas mais longas, em altitude e em lugares menos acessíveis. "Tenho a sensação de que as pessoas buscam outras formas de lazer, e as férias de praia talvez já não satisfaçam tanto; as caminhadas levam a lugares fantásticos onde não se pode chegar de outra maneira que não seja andando." A Taranná, como tantas outras agências, inclui em seus programas de trekking destinos míticos como as montanhas Semien da Etiópia, as Ruwenzori de Uganda, a cordilheira Branca do Peru, a cordilheira Real da Bolívia ou os vales Zanskar e Markha do Himalaia. "Dos 140 programas que temos em nosso catálogo, cerca de 30 são de trekking. As pessoas querem mais atividades e já não basta levá-las para ver o Taj Mahal", indica Mariano Sanz, da Viajes Años Luz.

Estourar a bolha

Mas as saídas para a montanha em grupos numerosos despertam críticas. "Defendo as caminhadas de maneira individual, que as pessoas tomem a iniciativa, recorram a sua engenhosidade, comprem um mapa, aprendam a se orientar... Quando se vai em grupo sempre há barulho, se você vai sozinho ou com pouca gente entra diretamente no cenário e tem um benefício espiritual", considera Eduardo Martínez de Pisón, para quem o interesse pela natureza deve ser acompanhado de um trabalho pedagógico para evitar impactos ambientais. "A natureza é um bem que é preciso saber administrar, não é um objeto de consumo", acrescenta, reivindicando a aculturação dessa disciplina para que não se limite a uma simples atividade esportiva.

Publicado no UOL Mídia Global.

sexta-feira, março 28, 2008

'Os piores presidentes não tiveram amantes'

Da Folha Online

Gay Talese está resfriado. Telefona para o repórter da Folha, atendendo ao pedido deixado na secretária eletrônica, e avisa, raspando a garganta: "Me resfriei e vou viajar, não posso receber você em casa. Mas posso falar agora sobre o Spitzer, tenho poucos minutos", diz o escritor de 76 anos, um dos pais do jornalismo literário, autor de reportagens antológicas reunidas nas coletâneas "Aos Olhos da Multidão" e "Fama e Anonimato" e de obras como "O Reino e o Poder", sobre o "The New York Times", onde atuou como repórter.

Talese diz que a sociedade americana não está mais ou menos moralista desde que ele publicou em 1980 "A Mulher do Próximo", livro-reportagem que retrata a transformação sexual e moral dos Estados Unidos entre as décadas de 1960 e 1970. Contudo, diz, a mídia repete tanto as informações sobre escândalos sexuais que faz que as pessoas se importem com eles, como no caso do ex-governador de Nova York Eliot Spitzer, que, casado, renunciou no último dia 12 após confirmar que era cliente fiel de uma rede de prostituição.

FOLHA - O que mudou no moralismo americano entre "A Mulher do Próximo" e o escândalo sexual do governador Eliot Spitzer?
TALESE - O moralismo não mudou. A mídia mudou.

FOLHA - De que forma?
TALESE - Quando escrevi "A Mulher do Próximo", a mídia não discutia tanto infidelidade, não transformava a vida privada das pessoas em colunas de notícias. John Kennedy foi presidente dos Estados Unidos e teve muitos casos, mas ninguém escrevia sobre sua vida sexual. Havia rumores, mas isso nunca foi conhecido, como foi com Bill Clinton, ou agora, com o governador de Nova York, ou com o senador [Larry] Craig, o homossexual [que renunciou após assediar um homem em banheiro de aeroporto, em 2007]. Na França, quando François Mitterrand foi presidente, não havia discussão sobre seu filho ilegítimo. Mas a mídia americana publica hoje sobre qualquer coisa.

FOLHA - Os eleitores levam em conta o comportamento sexual do candidato?
TALESE - Não acho que faz diferença nenhuma desde que não se relacione com seu trabalho. John Kennedy foi um presidente muito bom e tinha amantes. Bob Kennedy, seu irmão, tinha amantes. Eram casados e tinham amantes. Lyndon Johnson tinha amantes. Eisenhower. Todos nossos bons presidentes tinham amantes. O presidente Richard Nixon não tinha amantes e foi um presidente ruim. Esse cara, George W. Bush, é um presidente ruim. E não tem amantes. Entende? Bill Clinton foi muito bom e teve. Os piores presidentes são os que não tiveram amantes. Nixon foi o pior de todos os tempos. E Bush é o segundo pior. Se Bush tivesse amantes, talvez não estaria matando tanta gente no Iraque e tendo essa politica de destruir a vida de tanta gente.

FOLHA - O senhor quer dizer que, se a vida sexual de Bush fosse menos comportada, seu governo seria melhor?
TALESE - Não digo que seria melhor, mas quando você olha... Os bons presidentes não eram pessoas que se "comportavam" sexualmente. Martin Luther King tinha muitas amantes. Matin Luther King! Nós temos um feriado para ele, ele é um herói nacional. E tinha muitas amantes. Muitas. Ele era um cara mau? Não, não era.

FOLHA - O desrespeito da privacidade dos políticos é sempre ruim?
TALESE - Depende. Não é bom ou ruim. O que você quer dizer com bom ou ruim? Spitzer é um hipócrita, e é bom que ele seja exposto como hipócrita. Não é que ele esteja vivendo uma vida tão diferente de muitas outras pessoas, tendo uma prostituta, uma amante. Mas a diferença é que ele preconizava uma posição de moralidade, ele quis fechar bordéis, e aí aparece que ele era cliente de bordéis. É bom que ele seja exposto. O outro cara que o substituiu [David Paterson] diz que não tem um casamento perfeito. Mas quem tem? Pelo menos ele trouxe um pouco de verdade para o governo. Spitzer é um hipócrita.

FOLHA - Como repórter, hoje em dia, você publicaria matérias sobre esse escândalo?
TALESE - Não vou dizer que não publicaria, porque, se alguém mais publicar, você tem que publicar. Você não pode fingir que não viu, porque todo mundo sabe sobre isso, está na televisão, nos websites. Se você está no negócio de publicar jornais, tem que publicar o que é considerado notícia. É que hoje em dia tudo é notícia, o que não acontecia 30 anos atrás. É bom ou ruim? Eu não sei. O que acontece é que pelo menos força as pessoas a viverem em coerência com o que dizem.

FOLHA - O sr. avalia mesmo que nada mudou moralmente na sociedade? "A Mulher do Próximo" mostra, por exemplo, a revista "Playboy" como algo chocante e depois mais respeitada, mas hoje em dia a revista é uma instituição americana.
TALESE - Eu mostrava como aquilo mudou naquela época. Nós tivemos mudança real nos anos 1960 e 1970, quando escrevi aquele livro. Pouca coisa mudou desde então. Exceto que a mídia fala mais sobre sexo agora porque há mais liberdade para isso. Mas você não vê pessoas tendo relação sexual com penetração na TV, não ouve certas palavras na TV. Há restrição sobre o que você pode dizer, o que você pode ver. Você não pode ver homem nu na TV mostrando o pênis, não pode. No Brasil também não pode, tenho certeza.

FOLHA - Mas, se a mídia muda, a percepção da sociedade não muda juntamente com ela?
TALESE - Eu acho que a mídia mantém a história viva. Quando Bill Clinton teve uma pequena vida sexual com Monica Lewinsky, isso não tinha nada a ver com o trabalho dele como presidente. Não ocupou muito tempo dele. Mas a mídia fez uma história enorme, e aí as pessoas começam a se importar. Lembra que o papa João Paulo 2º estava visitando [Fidel] Castro naquela época? Ele estava indo para Havana e toda a mídia estava lá para cobrir o papa. Quando houve o rumor de que o presidente Clinton teve esse pequeno caso sexual no Salão Oval, todo mundo deixou Havana. Toda a mídia foi embora. E o papa não tinha com quem falar. Não havia cobertura de Castro encontrando o papa. A mentalidade da mídia está toda voltada para escândalos sexuais. A mídia conduz a história.

FOLHA - Por quê?
TALESE - Sexo não é complicado. Política é complicado. Na campanha, veja, as pessoas não ligam para propostas. Elas gostam de histórias simples, escandalosas, com o mais baixo, o menor denominador comum. E a mídia provê isso. A mídia é que conduz a história.

FOLHA - Mas por que o governador renunciou, se as pessoas não se importam tanto assim?
TALESE - A mídia faz as pessoas se importarem, porque repete, repete, repete e repete a história. Fica batendo até a morte. A mídia quer manter a história. Acho que é bom que Spitizer tenha sido exposto como hipócrita, porque é. Já Bush não é um hipócrita sexual, mas é hipócrita em várias outras formas.

FOLHA - Em que formas?
TALESE - Ele diz que estamos tentando levar democracia para o mundo. E não estamos. Estamos invadindo o mundo, forçando eles [outros países] a se ajustarem a nossa política. A administração de Bush critica os chineses em direitos humanos, e nós invadimos os países de outras pessoas e levamos atrocidades para esses países. Não estamos em uma posição em que podemos dizer que somos melhores que os outros. Somos piores, de certo modo.

quinta-feira, março 20, 2008

Filósofo defende o direito de ficar bêbado

Meu nome é Javier Esteban, tenho 42 anos, nasci e vivo em Madri. Licenciado em Filosofia e Direito, dirijo a revista universitária "Geração XXI". Sou casado e tenho duas filhas, Alma (10) e Sol (8). Sou um excêntrico de centro. Sou sufi: caminho para onde caminha o amor. O poder combate a embriaguez. A embriaguez é um direito humano fundamental.

A entrevista ao La Vanguardia:

La Vanguardia - O que é a embriaguez?
Javier Esteban - Uma expansão da consciência que descortina os véus que ocultam a realidade.

LV - Desde quando ela existe?
Esteban - Desde sempre. Até os animais se drogam com substâncias naturais, com frutos fermentados... Formigas, cabras, pássaros, macacos... Todos se extasiam e brincam!

LV - Então nós somos como os animais?
Esteban - Não, eles agem por um determinismo instintivo, mas nós temos liberdade! Liberdade para a embriaguez. Liberdade para experimentar com a nossa consciência.

LV - Liberdade para nos drogarmos?
Esteban - É o uso dessa liberdade que nos torna humanos! O direito à embriaguez, portanto, é um direito humano fundamental.

LV - Quem é que coíbe o direito humano à embriaguez, em sua opinião?
Esteban - A Igreja católica e o Estado (igreja laica), que querem fiscalizar a nossa consciência.

LV - Castigando os motoristas bêbados?
Esteban - Não, eu não me oponho a sancionar as condutas que são perigosas para terceiros. Mas critico o fato de que estão boicotando o autocontrole que temos de nossa consciência.

LV - Desde quando isso acontece?
Esteban - Começou com a destruição do templo grego de Eleusis, no século 4 d.C.

LV - Agora você foi longe!
Esteban - Desde o ano de 1.500 a.C., no contexto dos mistérios eleusinos, acontecia um ritual de embriaguez que cada grego vivia uma vez na vida, e isso lhes abria as portas da consciência.

LV - Em que consistiam esses mistérios?
Esteban - Eram rituais que aconteciam à noite. Em comunhão coletiva, eles ingeriam um enteógeno.

LV - O que é um enteógeno?
Esteban - A palavra significa "deus existe dentro de mim". É uma substância psicoativa capaz de induzir a uma experiência extática de unidade com o cosmos. Uma vivência da divindade.

LV - Que substância era ingerida em Eleusis?
Esteban - Uma sopa de cereal chamada "kikeon", que continha cornelho de centeio, um fungo com uma substância psicoativa idêntica ao LSD, o enteógeno mais poderoso conhecido.

LV - O que acontecia então?
Esteban - Cada um vivia a sua própria experiência de consciência expandida. Símbolos eram mostrados e cenas eram representadas para guiar o indivíduo ao autoconhecimento.

LV - Era uma embriaguez ritualizada?
Esteban - Sim, fazia parte do sistema, em benefício da livre consciência de cada indivíduo. Isso foi varrido, destruído. Hoje sentimos falta disso, e nossos jovens, ignorantes, acabam causando danos a si mesmos em suas irrefreáveis tentativas de embriaguez.

LV - Quem destruiu esse ritual?
Esteban - Os bárbaros e os monges cristãos nestorianos, no século 4 d.C. A cultura ocidental ficou sem referência de embriaguez.

LV - Temos o vinho, o álcool...
Esteban - Não são enteógenos, são muletas úteis para nossas vidas insatisfatórias, escravizadas pelo rendimento econômico. E, em vez de expandir a consciência, a deixam turva.

LV - Um pouco de álcool pode cair muito bem.
Esteban - A verdade é que o veneno está na dose, como diziam os gregos.

LV - Que personagens ilustres sabiam disso?
Esteban - Toda a obra de Platão é uma crônica de embriaguez! Aqueles filósofos, assim como os xamãs, chegavam ao êxtase, assim também como os druidas e depois as bruxas, ou até mesmo os místicos, ébrios sem substâncias, que tanto inquietaram a Igreja. O poder estabelecido sempre combateu essas pessoas!

LV - Por que motivo?
Esteban - Não há nada mais dissolvente que o livre acesso à própria consciência! Por isso Nixon arremeteu contra os profetas do LSD (Hoffman, Junger, Michaux, Wason, Huxley, Kesey, Leary...), cujas experiências alimentaram o feminismo, a militância ecológica, o pacifismo, os direitos civis... Nixon declarou guerra à consciência: quando começou a guerra contra a droga, começou a grande catástrofe.

LV - Que catástrofe?
Esteban - Milhões de presos, dezenas de milhares de mortos, narcoditaduras, a terceira maior fonte de renda do mercado negro no mundo, camponeses com fome, multiplicação de politoxicomanias... A proibição da droga foi o maior erro do século 20!

LV - Você propõe eliminar a proibição?
Esteban - Por acaso a proibição evitou que nossas crianças estejam se metendo com drogas aos 13 anos de idade? Não! Pelo contrário: a proibição presenteia as máfias com um poder imenso.

LV - Um político colombiano já me disse isso...
Esteban - Muitos governantes já reconhecem o fracasso da praga proibicionista.

LV - Você faz a apologia das drogas?
Esteban - Das drogas não, mas da embriaguez. Qualquer pessoa maior de idade deveria poder consumir qualquer substância (com o limite único da liberdade de terceiros). E, veja só, Silicon Valley nasceu da embriaguez de pessoas como Bill Gates. Que, por sinal, já admitiu que fumou alguns baseados!

Javier Esteban é autor do livro "O Direito à Embriaguez" ('El derecho a la ebriedad', Editora Amargord), um panfleto em defesa do direito que as legislações feitas durante o século 20 consideram um perigo. Esteban insiste: "Não defendo as drogas, mas sim o arroubo, o êxtase, a embriaguez a que toda consciência tem direito". Esse estado ao que o místico chega sem precisar de nenhuma droga.

Publicado no UOL Mídia Global e editado pelo RA.

domingo, março 16, 2008

EUA deportam mais brasileiros

Matéria do Estadão

O departamento de imigração americano está fechando o cerco contra os imigrantes ilegais brasileiros. Segundo informação do Consulado-Geral do Brasil em Boston, o número de brasileiros presos no Estado de Massachusetts esperando para ser deportados cresceu 25% nos últimos 12 meses.

De acordo com o cônsul-geral, Mário Saad, no começo do ano passado havia uma média de 150 brasileiros presos esperando deportação. No início deste ano, a média subiu para 200. Do segundo semestre para cá, o número médio de brasileiros deportados por mês passou de 37 para 45 no Estado.

Em Massachusetts fica a maior concentração de imigrantes brasileiros em um Estado americano: 230 mil. Não há dados sobre as outras regiões que abrigam muitos "brazucas", como Flórida, Nova York, New Jersey, Carolina do Sul e Geórgia. Mas líderes da comunidade afirmam que Massachusetts é uma amostra confiável do que acontece nos EUA - e que a perseguição se intensificou em todos o país.

"Tem muita gente vindo da Carolina do Sul e Geórgia, onde a imigração está pegando", diz Erika Abreu, assistente administrativa no centro Bom Samaritano, em Framingham. O centro ajuda imigrantes brasileiros a encontrar trabalho.

O grande aperto na fiscalização recomeçou em junho, quando o projeto de reforma das leis de imigração não passou no Congresso. A lei previa um caminho para legalização dos mais de 12 milhões de ilegais - cerca de 1,2 milhão de brasileiros. Depois que a lei foi rejeitada, a polícia de imigração começou a fazer grandes batidas em vários Estados, com a prisão de centenas de imigrantes em fábricas, frigoríficos e locais de construção.

"A comunidade brasileira está assustada por causa da falta de um horizonte para a legislação de imigração e por causa da deterioração das condições econômicas daqui", diz o embaixador Mário Saad. A maioria está ganhando menos e ainda perde na taxa de câmbio, diz Saad. "Diante da pressão, muitos estão se questionando se vale a pena ficar aqui."

"É o fator medo. Eles começam a ver muita gente deportada e resolvem ir embora antes que algo aconteça", diz Ted Welte, presidente da Câmara de Comércio Metrowest, que cuida dos estabelecimentos da região de Framingham.

"Temos 12 milhões de imigrantes ilegais, alguns poucos são criminosos e precisam ir para a cadeia, mas nós precisamos dos outros, que são trabalhadores", afirma Welte. Para Fausto da Rocha, diretor-executivo do Centro do Imigrante Brasileiro (CIB), toda vez que há crise econômica, os imigrantes são perseguidos.

Tramitam no Congresso vários projetos de endurecimento na perseguição aos ilegais, entre eles o projeto que vai exigir de 6 milhões de empregadores a verificação dos documentos de 130 milhões de empregados. Enquanto a legislação não passa no Congresso, muitos Estados estão baixando leis próprias, punindo empregadores que não demitirem ilegais e impedindo que ilegais tirem carteira de motorista.

Aprenda a meditar caminhando

Por Emilce Shrividya Starling, do Vya Estelar

Um dos grandes ensinamentos do Yoga que pode transformar sua vida é meditar na ação. É aprender a estar presente no momento presente. Com a prática da concentração podemos meditar em nossas ações cotidianas enquanto caminhamos, tomamos banho, comemos. Aprendemos a tornar consciente o que fazíamos de maneira automática e podemos assim desfrutar de cada momento de nossa vida.

Isto requer treinamento. Não basta pensar e dizer: "Agora vou estar presente, com uma mente concentrada e calma". Isto é um aprendizado que você vai conquistando com paciência e persistência. Contemple agora por alguns instantes como está sua mente, como está sua atenção:

Alguém falou com você, até coisas importantes, e você não ouviu e, ao perceber que estava longe, perguntou: "O que foi mesmo que você disse?"

Você come apressadamente, conversando, sem sentir o paladar, sem saborear e come mais do que o necessário?

Às vezes você está lendo algo e percebe que está distraído e precisa retornar e ler de novo?

Você fica irritado e impaciente no trânsito?

Ao ir dormir, você ficou querendo resolver problemas, remoendo coisas desagradáveis ou se lembrando de coisas agradáveis e perdeu o sono?

Quantas e quantas vezes, ao longo do seu dia, sua atenção se dispersa no passado ou no futuro?

Esta mente inquieta que divaga a todo instante é a causadora de muito sofrimento. Muitos de nossos problemas são criados pela mente instável e não adianta se preocupar e tentar resolvê-los porque eles não existem. Eles existem apenas em nossa imaginação e mente negativa. A solução está em aquietar a mente e aprender a estar presente na ação.

Aprenda a esvaziar e silenciar a mente. Viva um momento de cada vez com uma mente alerta e ao mesmo tempo tranqüila. Pare de pensar tanto. Isto é essencial para a paz interior, porque com a mente repleta de preocupações, cheia de turbulência com mil expectativas pelo futuro ou lembranças do passado não se pode ser feliz ou sentir serenidade.

Muitas pessoas têm insônia, doenças psicossomáticas, depressão, estresse, medos e não entendem que isto é apenas o reflexo de como vivem na vida diária. A causa está em suas mentes que divagam a todo instante, levando-as ora para o passado, ora para o futuro. Ficam como joguetes da mente sem controle que as escraviza tirando a paz mental.

Para desenvolver estar mais presente na ação procure se concentrar no que está fazendo e quando você perceber que se distraiu, pacientemente, volte a sua atenção para o que está fazendo quantas vezes for necessário. Quando você começar a perceber que está distraído, disperso, é sinal que está ficando presente. Assim, sem cobranças, simplesmente volte a se concentrar no que está fazendo.

A base deste treinamento é concentração sem esforço e relaxamento ao mesmo tempo. Firmeza e leveza de espírito. Mente alerta e relaxada. Enquanto que durante o dia, a mente se dirige para fora, esgota-se através de tanta atividade e inquietação; quando dormimos nosso cansaço desaparece e acordamos renovados e descansados. Essa experiência diária de dormir e de se revitalizar através do sono nos mostra que, em estado de sono profundo, a mente descansa no Ser.

Desta maneira podemos compreender o valor da prática da meditação diária, do relaxamento, da hatha yoga, da concentração para a tranqüilidade da mente. Com estas práticas, vamos aquietando a mente, sentindo o apaziguamento e permitindo que ele permeie todo nosso dia. Aprendemos a observar a mente, a lidar com ela, a estar mais presentes e levamos isto para nossas ações cotidianas.

Meu treinamento de hatha yoga, praticando as posturas com a consciência do movimento, com a mente concentrada e relaxada ao mesmo tempo, tem me auxiliado muito a entender a importância de estar presente, consciente da respiração, sentindo minha presença, observando meus pensamentos e ações no meu dia-a-dia.

Procuro viver um momento de cada vez, desfrutando plenamente do presente. Isto me tornou uma pessoa mais alegre, mais jovem, mais saudável e feliz. Valorizo cada instante da minha vida com um coração agradecido e aceitação. Com a consciência do momento presente entendemos o valor inestimável de cada momento. Aprendemos a encontrar a felicidade em nossa realidade presente e nossas tarefas cotidianas não são mais um fardo e nem nos aborrece.

Compreendemos que tudo depende de nossa atitude. Se mudarmos a nossa atitude em relação a um lugar, ele se torna excelente. Se mudarmos nossa atitude em relação às pessoas, descobrimos qualidades nelas. Se mudarmos nossa atitude perante os acontecimentos, desenvolvendo aceitação, aprendemos com a vida e somos mais livres e felizes.

Se não estamos presentes não sentimos alegria, não sentimos paz e não podemos compartilhar esses sentimentos com nossos familiares, amigos, em nosso ambiente de trabalho, com o mundo ao nosso redor. Ao conseguirmos desfrutar do momento presente, com uma mente amável, contente e serena, usufruímos a vida verdadeiramente.

"Se você não está presente, você olha e não vê, escuta, mas não ouve, come, mas não saboreia".

Aplique isto em sua vida. Quando comer uma fruta, não coma conversando, em pé, às pressas. Coma sentado e esteja presente, sentindo o paladar, saboreando o momento, absorvendo o néctar da fruta. Além de o alimento lhe satisfazer plenamente, você se acalma e estes momentos alimentam também sua alma que se torna mais tranqüila.

Cultive cada vez mais a mente positiva, o sorriso, a paciência, o bom humor, o hábito da felicidade e alegria. Compreenda que a sua habilidade de viver o momento presente determina sua paz mental. O ontem não existe mais, o amanhã ainda não existe e o presente é o único momento que existe.

Medite caminhando

Em seu livro, "Meditação Andando", o Mestre zen budista Thich Nhat Hanh explica como conseguir a paz interior, ao fazer caminhadas. Com o corpo e mente relaxados, ao inspirar, diga para si mesmo "inspirando" e ao expirar, diga "expirando". Faço isto muitas vezes durante minhas caminhadas diárias. E, imediatamente, observo melhor a paisagem ao meu redor, fico mais presente e calma, com mais entusiasmo e disposição.

Gosto muito também de andar e fazer muitas atividades, fazendo a repetição mental do mantra, pois além de ficar mais focada no momento presente, esta prática esvazia a mente de pensamentos inúteis e negativos. Tenho praticado isto ao longo dos anos e é uma prática poderosa e transformadora. Repito Om Namah Shivaya mentalmente, muitas e muitas vezes ao dia, e assim, em vez de me preocupar sem necessidade, vou purificando a mente com a repetição do mantra que acalma as ondas mentais e cerebrais.

Experimente estas técnicas andando e também em outros afazeres seus e perceba como elas funcionam e tranqüilizam você. Pode também repetir mentalmente uma frase mantrica como: "Eu sou a presença de Deus em ação". Com a prática, você vai perceber como vivia antes cheio de aflições, pensando no passado ou no futuro, e não vivia o momento presente.

Enquanto vai à padaria, enquanto vai a um supermercado, ou na fila de um banco repita mentalmente um mantra ou uma frase mantrica. Perceba como você vai ficando mais consciente, mais presente e confiante. No trânsito, aproveite para ouvir um Cd de mantras ou uma música new age bem suave. Lembre-se de relaxar e respirar.

Em seu livro 'Para Viver em Paz', Thich Nhat Hanh diz: "Segundo o Sutra da Mente Desperta", enquanto se lava a louça, deve-se somente lavar a louça, o que quer dizer: enquanto se está lavando louça deve-se estar totalmente cônscio do fato de que está lavando louça ".

Pode parecer tolice dar tanta importância a uma coisa tão simples, mas é justamente nas tarefas mais simples e cotidianas que aprendemos a meditar na ação, a estar totalmente presentes e conscientes de nossa própria presença, respiração, pensamentos, palavras e ações.

Descubra você também, na simplicidade de suas atividades cotidianas, a felicidade de estar presente no único momento que existe, o momento presente. Desfrute do presente, este "presente precioso", e sinta como sua vida passa a ter mais entusiasmo, mais prazer e tranqüilidade. Participe conscientemente do fluxo natural da vida e seja mais feliz. Fique em paz!

Frei Betto critica assistencialismo do Bolsa-Família

Do UOL Notícias

O frade dominicano Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, foi um dos líderes do Fome Zero, principal programa social do primeiro mandato do presidente Lula. Durante dois anos, foi assessor especial da presidência e coordenador de mobilização social para o Fome Zero.

Teólogo e escritor ligado à esquerda - foi preso durante a ditadura militar e acusado de apoiar guerrilheiros como Carlos Marighella -, Frei Betto deixou o governo no final de 2004 incomodado com os rumos da política econômica e criticando a burocracia que emperrava o andamento dos programa sociais.

De longe, viu o Fome Zero perder o posto de "carro-chefe" para o Bolsa-Família, que completou quatro anos nesta semana com direito a comemoração em Brasília. Em entrevista ao UOL, Frei Betto lamenta a substituição de um programa "emancipatório" por um "assistencialista" e pede reformas estruturais para que o Brasil alcance a "democracia econômica".

UOL - O governo federal tem motivos para comemorar esse aniversário de quatro anos do Bolsa-Família?
Frei Betto - Por que o governo federal não comemora cinco anos do Fome Zero e sim quatro do Bolsa Família? É uma pena que um programa muito mais amplo, e de perfil emancipatório, formatado pelo próprio governo Lula, e tido como prioritário, tenha sido substituído pelo Bolsa Família, que tem caráter mais assistencialista. É claro que o governo tem motivos para comemorar, afinal, depois da Previdência Social, o Bolsa Família é o maior programa de distribuição de renda existente no Brasil. E também a maior usina de votos favoráveis ao governo. Espero, entretanto, que o resgate de uma importante medida do Fome Zero - estabelecer prazo para as famílias se emanciparem do programa - venha a imprimir ao Bolsa Família um caráter mais educativo, de promoção cidadã. É preciso que os beneficiários produzam sua própria renda, sem depender do poder público nem correr o risco de retornar à miséria.

UOL - Quando o senhor deixou o governo, fez críticas à burocracia, que atrapalhava o andamento do Fome Zero. De lá para cá, mudou alguma coisa? Houve melhoras na execução dos programas sociais?
FB - Quanto ao Bolsa Família, houve evidente melhora, sem dúvida, graças ao empenho do ministro Patrus Ananias. Porém, me pergunto pelos outros programas que faziam parte da cesta emancipatória do Fome Zero: onde estão os cursos profissionalizantes? A formação de cooperativas? Os restaurantes populares? Os bancos de alimentos? Os comitês gestores? Por que conceder facilidades de acesso ao crédito se já existia, no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal, iniciativas, como o Banco Popular (que fim levou?) nesse sentido?

UOL - Que balanço o senhor faz hoje dos programas de combate à fome e do Bolsa-Família?
FB - Em geral, positivos, mas provisórios enquanto as medidas assistencialistas não forem respaldadas por reformas de estrutura. De que adianta distribuir renda a quem aspira que se distribua terra? Como é possível ter êxito no combate à fome sem reforma agrária? Como se explica as famílias pobres terem mais acesso à renda e ao consumo e, ao mesmo tempo, sofrerem a ameaça de dengue e febre amarela? O governo combate, de fato, a miséria, mas não a desigualdade social, pois teme mexer nas estruturas arcaicas do país e desagradar os que se enriquecem graças à injustiça estrutural.

UOL - Que avaliação o senhor faz das medidas anunciadas nesta semana? Qual impacto elas terão sobre a vida dos beneficiários?
FB - É muito cedo para avaliá-las. Quanto ao impacto, é claro: o governo já iniciou sua campanha pelas eleições municipais.

UOL - O senhor vê uso eleitoral do Bolsa-Família? Acha isso inevitável em ano de eleição?
FB - Em política tudo tem uso eleitoral, do contrário o poder não seria motivo de tanta cobiça. Ainda que haja motivação eleitoreira, importa-me saber se os mais pobres são beneficiados. E isso tem ocorrido, embora sem o caráter emancipatório a que me referi.

UOL - O senhor acredita que o pagamento de renda pelo governo a essas famílias possa causar algum tipo de dependência?
FB - A dependência é clara, pois onde há dinheiro, há dependência. O próprio governo é consciente disso, tanto que agora retomou um critério do Fome Zero: estabelecer prazo de permanência no programa. A questão é saber se, após os dois anos como beneficiária, a família encontrará de fato sua porta de saída, conquistando autonomia para produzir sua própria renda.

UOL - Esse tipo de programa vira um caminho sem volta? Como fazer com que essas pessoas "caminhem com as próprias pernas"?
FB - Só se pode "caminhar com as próprias pernas" quando se vive num país cujas estruturas sócio-econômicas não produzem tanta desigualdade e, portanto, oferecem à maioria acesso razoavelmente igualitário aos direitos de cidadania. O povo brasileiro, em sua maioria, jamais "caminhará com as próprias pernas", sem ter que apelar ao poder público, às instituições filantrópicas, ao trabalho informal, à contravenção como o narcotráfico, enquanto não houver aqui reforma agrária e leis que, de um lado, impeçam que se criem as condições de miséria e, de outro, o enriquecimento abusivo. Não temos ainda democracia econômica.

UOL - Por fim, o senhor considera o programa vulnerável a fraudes?
FB - Lamento que o programa seja monitorado pelas prefeituras, onde há freqüentes indícios de corrupção, e não pelos comitês gestores, formados por representantes da sociedade civil, como se propôs na fase inicial do Fome Zero. Sem a sociedade civil fiscalizar, pressionar e cobrar, o poder público costuma cair em tentação.

terça-feira, março 11, 2008

Brasileiros sofrem para entrar na Espanha há anos

Da Folha Online

Faz tempo que os brasileiros sofrem para entrar na Espanha, de acordo com a jornalista Dalva Aleixo Dias, que conclui uma tese de doutorado pela Universidade de La Laguna, na Espanha, sobre a imagem dos brasileiros na imprensa espanhola. "Quantas pessoas foram maltratadas antes que essas histórias mais recentes fossem publicadas? Isso só veio à tona porque, agora, há universidades por trás."

Na semana passada, dois mestrandos foram barrados ao passar por Madri (Espanha) com destino a Lisboa (Portugal). O caso detonou um mal-estar entre Brasil e Espanha no que diz respeito à imigração.

Segundo Dias, no período em que ela morou na Espanha, entre 1996 e 1999, a imprensa espanhola publicou casos de uma brasileira estuprada pelos policiais da imigração e de um brasileiro que não agüentou a pressão da investigação para entrar no país - que já durava dois ou três dias - e se enforcou, no aeroporto.

No mesmo período, Dias afirma que teve a sua permanência no país ameaçada após um bate-boca com um funcionário do setor de imigração - ele mandou que ela voltasse "de vez" para o Brasil - e teve a filha de 5 anos empurrada escada abaixo por um grupo de colegas de escola que, havia alguns dias, a chamavam de "porca americana".

Ela conta que os espanhóis mantêm um estereótipo de que os brasileiros ou são do mundo do espetáculo (profissionais de capoeira ou samba) ou da prostituição. "Depois de um tempo, convencidos de que eu era diferente, arrumaram uma maneira de me 'espanholar'. Eu passei a ser 'Dalba' e não 'Dalva'; 'Alexio' e não 'Aleixo'; 'Diaz' e não 'Dias'. E se você é branco e tem ascendência européia, não é considerado brasileiro. É um europeu que, por acaso, nasceu no Brasil. Daí, vale a lei do sangue."

Para Dias, o preconceito contra os brasileiros é conseqüência da péssima imagem do país no exterior. "Para eles, nós sempre fomos um destino exótico no qual nós éramos os selvagens e eles, os evoluídos. De repente, na década de 80, eles se tornaram o destino, entraram numa crise financeira e se sentiram invadidos. O imigrante, fragilizado, virou bode expiatório para justificar o que eles não conseguem resolver."

De acordo com a pesquisadora, na análise da imprensa espanhola, ela concluiu que, lá, a vida dos brasileiros "não vale nada". "Se uma brasileira é morta, ela seduziu alguém e foi um crime passional. Se um brasileiro é morto, ou ele era homossexual e seduziu alguém - e foi crime passional - ou ele era traficante e foi queima de arquivo."

Dias afirma que a má imagem é fruto, principalmente, de uma propaganda institucional ruim; das histórias de violência que a imprensa brasileira passa à européia; e da vantagem que os espanhóis levam no mercado turístico, quando depreciam o Brasil. "Nas ilhas Canárias, eles patentearam a marca Carnaval e contrataram brasileiros para ensinar a sambar, costurar fantasias e compor sambas-enredo. Eles, agora, dizem que têm o segundo maior Carnaval do mundo, com a vantagem da segurança."

Tratado

Nos últimos dez anos, a situação melhorou, na opinião da pesquisadora. Ela afirma que, cada vez mais, os imigrantes deixam de ser vistos como "ladrões de empregos" para serem vistos como fator de impulso para a economia. "Com a entrada do capital espanhol no Brasil, nós viramos parceiros. E o Brasil tem crescido em questões políticas, diplomáticas."

O primeiro passo para a solução do problema, para a pesquisadora, seria a criação de um tratado de tratamento de imigrantes. "No Brasil, nós fazemos um esforço absurdo para falar no idioma deles, para que eles nos entendam, para que se sintam em casa. Não somos cordiais, somos quase servis. Quando chegamos lá, se você não conhece bem o idioma ou os costumes do país, eles simplesmente nos viram as costas."

Para Dias, os brasileiros não podem continuar sem proteção. "O governo precisa estar mais atento para defender os cidadãos, onde quer que eles estejam."

sábado, março 08, 2008

"Muito obrigado, Napoleão", dizem os brasileiros

Jean-Pierre Langellier, do Le Monde

Todos os brasileiros poderão confirmar: o seu país existe graças a... Napoleão. O Brasil moderno é a conseqüência feliz de um excesso de orgulho imperial. Ele nasceu como nação porque Bonaparte havia obrigado a família real portuguesa a fugir para o outro lado do oceano, rumo à sua imensa colônia. Cem dias mais tarde, a dinastia dos Bragança desembarcava no Rio. Este fato aconteceu dois séculos atrás, em 8 de março de 1808.

Em 1806, o Imperador francês, no auge do seu poder, decreta o bloqueio continental contra a Inglaterra. Intimada a interromper todo comércio com ela, a Europa cumpre a ordem. Apenas Portugal reluta, não se conforma em trair a Grã-Bretanha, sua antiga protetora. Ele ganha tempo, lança mão de um jogo duplo, finge que irá ceder, mas, por trás da cortina de fumaça, assina um acordo secreto com Londres. Napoleão perde a paciência diante deste pequeno país insolente e lhe lança um ultimato. Ele terá de obedecer, caso contrário perderá o seu trono e a sua frota.

Em Lisboa reina um príncipe regente, Dom João, futuro D. João 6º, o Clemente. A sua mãe era a rainha Maria 1ª, também chamada de "A Louca" por ter afundado na demência depois da morte do seu filho primogênito. Ela havia se recusado, por motivos religiosos, a vacinar este último contra a varíola. Dom João tem 40 anos. É um homem obeso, tímido, indeciso. Ainda assim, diante da imposição autoritária dos franceses, ele irá tomar a decisão certa: exilar-se além dos mares. O tempo está acabando, pois Napoleão deu ordem ao general Junot para invadir Portugal. Eis que o oficial avança rumo a Lisboa, à frente de um exército de cerca de 25.000 homens.

O êxodo rumo à América constitui um projeto antigo, que é relembrado toda vez que o reino enfrenta um grande perigo. Desta vez, ele precisa ser posto em prática às pressas. Os víveres são amontoados, os arquivos são coletados, as jóias da Coroa - obras de arte, lingotes de ouro, diamantes do Brasil - são recolhidas. O conteúdo de 700 charretes acaba sendo reunido nos porões de 36 navios prontos para zarpar. No meio da confusão da partida, os 60.000 volumes da Biblioteca real e toda a prataria das igrejas permanecerão esquecidos no cais do porto. Tomada por um lampejo de lucidez, a "rainha louca" grita para o cocheiro que a está conduzindo para o porto: "Não corram tanto! As pessoas vão pensar que estamos fugindo!"

Na manhã de 29 de novembro, a chuva parou de cair, o sol está brilhando, o vento começa a ficar mais forte. É dada a ordem para partir. A frota desloca-se lentamente pelo rio Tejo e vai se afastando sob a proteção de uma esquadra inglesa. Já não era sem tempo. A vanguarda do general Junot alcança as docas uma hora depois do último navio da frota real ter desatracado. Aliás, a empreitada do general vai dar com os burros n'água. Milhares de insurretos tomarão as armas contra os seus regimentos, que retornarão para a França em agosto de 1808. A respeito de Dom João, Napoleão escreverá: "Ele é o único homem que conseguiu me pregar uma peça".

A elite portuguesa inteira está fugindo entre céu e mar. Quantos estão nesta situação? Entre 5.000 e 15.000, segundo os historiadores. Nobres, oficiais, juízes, comerciante, bispos, médicos, pajens e camareiras acompanham a família real, da qual todos os membros estão presentes. O seu périplo é um pesadelo. Esses cortesões assustados e descontentes não serão poupados de nenhuma desgraça: as tempestades, as náuseas coletivas, o escorbuto, a falta de água. Uma invasão de piolhos obriga as mulheres a rasparem a cabeça.

Depois de uma travessia que durou 52 dias, Dom João desembarca em Salvador na Bahia. Pela primeira vez, um soberano da Europa pisa o solo da América. A festa dura uma semana, durante a qual milhares de súditos comparecem para beijar a mão do príncipe. Esta escala é uma jogada política. Dom João aproveita para reafirmar a sua autoridade sobre a população das províncias do Norte, em volta de uma cidade, Salvador, que foi a primeira capital do Brasil e se mostra nostálgica por ter perdido esta condição. Nela, o regente toma uma decisão crucial, a de abrir os portos para o comércio mundial. O fim do monopólio colonial é o preço a ser pago pelo seu apoio à Inglaterra, que dele será a principal beneficiária.

Cem dias depois de ter deixado Lisboa, a frota atraca na baía do Rio. No dia seguinte, a família real desembarca em meio a um ambiente de alegria. Ouvem-se estrondos de canhões, os sinos tocam seus carrilhões, muitos se borrifam com água benta, respirando os vapores de incenso. Predomina um contraste impressionante entre esta cidade "africana", povoada numa proporção de dois terços por negros e mestiços, entregue aos aventureiros e aos mercadores de escravos, e esses cortesões pálidos que trajam roupas pesadas, um pouco ridículos.

Três séculos depois da sua descoberta por Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500, o Brasil continua sendo uma terra inexplorada. É um país de fronteiras imprecisas, desprovido de um verdadeiro poder central, que ainda não possui nem um comércio interno, nem uma moeda. Os seus 3 milhões de habitantes ainda não se consideram verdadeiramente como "brasileiros". A chegada do príncipe irá transformar a colônia numa metrópole. Por meio das suas iniciativas, o Rio cresce em tamanho, se embeleza e se refina. A cidade se abre para as mercadorias e as idéias.

Dom João implanta um Estado estável e organizado. Ele confere ao Brasil a sua unidade territorial, política, econômica e lingüística. No momento em que a América espanhola está sendo tomada por levantes, guerras e dilaceramentos, o Brasil emancipa-se suavemente da tutela portuguesa. Em 16 de dezembro de 1815, o regente proclama "o reino unido de Portugal, do Brasil e de Algarves", tornando a cidade do Rio de Janeiro com o mesmo status de Lisboa. Ele torna-se o rei João 6º. Um ano depois do seu retorno ao país natal, o seu filho Dom Pedro proclama a Independência (em 7 de setembro de 1822) e se torna o primeiro imperador do Brasil.

Hoje em dia, o Brasil está celebrando com orgulho o bicentenário da chegada de Dom João. Ele organiza exposições, emite selos e cunha moedas comemorativas. Por ocasião do mais recente carnaval, várias escolas de samba fizeram deste evento histórico o tema do seu desfile. Um dos refrões, que era entoado em coro pela multidão, concluía-se com um alegre: "Até logo, Napoleão!" Até logo e obrigado.

Traduzido e publicado no UOL Mídia Global.

Somos todos mouros

Sebastião Nery, na Tribuna da Imprensa

Chegamos ao trem, em Madri, em 70, eu e minha mulher, a caminho de Marrocos, por Gibraltar, perguntei ao encarregado do carro qual a nossa cabine. Ele nos levou muito solícito. Lá estavam sentados dois marroquinos. Cada cabine, de primeira ou de segunda classe, era sempre para seis pessoas sentadas. O espanhol fechou a cara, rosnou algumas palavras incompreensíveis, arrastou-nos e nos levou a outra cabine:

- Fiquem aqui.

- Mas nossos números são da cabine de lá.

- Vão viajar com mouros? São imundos e mal educados. Raça inferior. Vão roubar vocês. Árabe aqui na Espanha não é gente.

De nada adiantaram nossa reação e nossos argumentos. O espanhol era um racista tarado. A viagem toda fiquei espreitando o seu comportamento. Empilhou os árabes em outras cabines, defendendo a santa pureza de seu vagão ariano. De repente, ouço uma briga no corredor do trem. São soldados agredindo violentamente alguns árabes.

Chamo um dos fardados, de divisas no braço, e lhe pergunto o que há:

- Não é nada não. São esses mouros.

- Mas, o que é que eles estão fazendo?

- Não têm que vir para a terra da gente. Uns imundos.

Passada a confusão, puxo conversa com ele:

- Que patente é esta sua? É do exército espanhol?

- Não. Sou da Legião Estrangeira. Vou para a África. Vamos brigar lá.

- Contra quem?

- Na Legião a gente só sabe contra quem vai brigar na véspera. Quem sabe o inimigo são os homens e os governos que nos pagam.

- E quem são esses homens e esses governos?

- Não sei e não quero saber. Quem quer saber muito as coisas não entra para a Legião Estrangeira.

E saiu mascando o seu chiclete. Sórdido como todos os mercenários.

Inglaterra

Quase quarenta anos depois, a "Folha" contou que "a mestranda de Física pela USP, Patrícia Camargo Magalhães, 23 anos, que tinha reservas em hotel em Lisboa, dinheiro e cartões de credito, passou três dias detida no aeroporto de Madri, onde fazia uma conexão, confinada em uma sala blindada de 9m2, com mais 30 brasileiros, e foi deportada, de volta ao Brasil, por autoridades espanholas, quando iria apresentar um trabalho em um congresso em Lisboa. Em 2007, pelo menos 3 mil brasileiros tiveram recusado seu ingresso no país (uma média diária de 8,2)". Domingo, de Londres, Rafael Cariello, da "Folha", contou coisa pior:

"Os brasileiros representam a maior fatia de pessoas, entre todas as nacionalidades, que têm a entrada negada no Reino Unido (Inglaterra) e são mandadas de volta ao país de origem. Os números mostram que, em 2005 e 2006, o total de brasileiros, cuja entrada foi negada no país, representou mais que o dobro da segunda nacionalidade (Nigéria), com maior numero de 'denegações' (vetos). Em 2005, 5.195 brasileiros tiveram a entrada recusada na Inglaterra e foram enviados de volta, contra 2.135 nigerianos, em segundo lugar. No ano seguinte, foram 4.985 negativas a brasileiros. Paquistaneses, 2.035 casos. Nigerianos, com 1.960, vêm em seguida".

A "basura"

Nenhuma novidade. O guarda do trem, o jovem capitão da Legião Estrangeira, o governo espanhol e o inglês continuam pensando exatamente a mesma coisa: só entra lá quem for fazer os serviços "baixos", a "basura" (lixo), que espanhóis, ingleses, europeus se negam a fazer.

É só uma questão de cor e classe social. Quase todos os brasileiros que eles imaginam que querem ficar lá são brancos, classe média, têm algum nível e vão disputar empregos que eles podem querer e ter. Por isso são mais vetados do que os negros nigerianos, os marrons paquistaneses, que, como outros africanos e asiáticos, se submetem a qualquer serviço.

Essa violência, que até o sempre obsequioso Itamaraty considera "inaceitável", é uma bofetada. Durante séculos, sobretudo depois das duas guerras mundiais, o Brasil foi o "berço esplêndido" que acolheu milhões de portugueses, espanhóis, ingleses, italianos, judeus, europeus de todo tipo, que não tinham o que comer e onde trabalhar. Hoje, para eles somos mouros.

A invasão

Vindo da Espanha, essa afronta é um escárnio. A Espanha está literalmente invadindo o Brasil, ganhando o País de presente. O Banco Santander recebeu de Fernando Henrique o Banespa, o segundo maior banco do País, sem pagar um tostão, e vai montando aqui seu império.

Nossa maior telefônica é a espanhola Telefônica de São Paulo, associada ao Santander. Estão comprando as outras. Mais de 70% dos livros didáticos quem fornece ao governo é a Santillana, espanhola, aliada ao Santander.

A editora Planeta, que também já absorveu várias, é espanhola. Empresas de água e esgoto, luz, estradas, postos, está tudo nas mãos dos espanhóis. Pena que não tenhamos um governo, mas uma bandalha.

Para não se imaginar um preconceito contra a Espanha, cito o exemplo italiano. O livro "La presenza italiana nella historia del Brasil", da Fondazione Agnelli, conta que "só no Estado de São Paulo, de 1886 a 1934, entraram 2 milhões e 300 mil italianos como imigrantes.

sábado, março 01, 2008

O menino que vende livros

Na revista Época desta semana, uma matéria com Markus Zusak, autor do best-seller "A menina que roubava livros", que só no Brasil já vendeu 270 mil exemplares. Ainda não li o livro - para ser sincero, muito provavelmente não o lerei, tão ocupado estou com o grande Bukowski -, mas a matéria é interessante, como é toda aquela que fala do duro ofício de escrever. Nesta, quem faz as perguntas da (longa) entrevista são os leitores, todos identificados pelo nome e local de origem. Achei legal. Espero que vocês também achem.

A partir de que momento em sua vida o senhor teve interesse em escrever livros? (João Felipe Cândido da Silva, Salto, SP)

Markus Zusak – Eu quis ser um escritor quando tinha 16 anos e li os livros certos para mim. Foi por causa daquele sentimento de ir virando páginas sem sequer perceber, tão imerso eu ficava no mundo de cada livro. Foi nessa época que tirei os olhos das páginas e pensei: "É isso que eu quero fazer da minha vida". Decidi que seria um escritor e nada iria me impedir.

Qual é a maior virtude de um escritor e quais os maiores problemas para escrever um livro? (Magno Dias, São Paulo, SP)

Zusak – A mais importante virtude para um escritor é que ele não deve ter medo de falhar. Eu falho todos os dias. Falhei milhares de vezes escrevendo A Menina Que Roubava Livros, e esse livro agora significa tudo para mim. Claro, também tive muitas dúvidas e medos sobre o livro. Mas as melhores idéias nele vieram para mim quando estava trabalhando já por algum tempo sem, aparentemente, nenhum resultado. Falhas têm sido meus melhores amigos como escritor. Elas o testam para que você descubra se tem o que é preciso para ver além.

De onde vem tamanha criatividade? O senhor lia muito quando era criança, ouvia muitas histórias? (Carolina Sperandio de Almeida, Tatuí, SP)

Zusak – Meus pais não falavam inglês quando vieram para a Austrália e, por isso, foi muito importante para eles que seus filhos tivessem bom domínio da língua. Nós sempre estávamos cercados por livros, sempre lendo. Também acho que meu amor por escrever e por histórias vem das que eles contavam sobre a própria infância na Alemanha e na Áustria.

Qual é a melhor maneira de relacionar os pontos mais importantes de uma história? Também escrevo e acho difícil a construção de começo, meio e fim, pois tudo precisa estar muito bem relacionado. (Josie Lima, Nova Iguaçu, RJ)

Zusak – Para mim, é como construir uma parede de tijolos. Escrevo do começo do livro para o final. Isso pode soar óbvio, mas o que quero dizer é que nunca escrevo fora da seqüência. E a razão simplesmente é que, quando escrevo o próximo momento importante, preciso sentir como se eu tivesse feito tudo junto com os personagens até chegar àquele ponto. Dessa forma, posso sentir exatamente o que eles sentiram. Quando você escreve uma história ou o primeiro capítulo, você esquece alguns tijolos em certos lugares e muitos tijolos em outros. Para conectar a maioria das partes do livro, você tem de ter certeza de que tudo está no lugar certo até aquele ponto.

Por que a história de "A menina que roubava livros" é contada do ponto de vista da morte? (Maria da Glória Jucá, Fortaleza, CE)

Zusak – Porque fez sentido para mim. Há um velho ditado que fala que a guerra e a morte são as melhores amigas. Então, pensei: "Quem pode ser um narrador melhor para um livro que se passa na Alemanha nazista?". A morte estava em todo lugar naquele tempo. O verdadeiro avanço, porém, foi quando percebi que a morte deveria ser mais vulnerável, e não macabra e todo-poderosa. Pensei: "E se a morte tivesse medo dos humanos?". Isso pareceu inesperado, mas também pensei que fazia sentido. Afinal, a morte está na iminência de ver todos os nossos maiores desastres e todas as terríveis coisas de que os humanos são capazes. Minha idéia era que a morte contaria essa história, na tentativa de provar a ela mesma que os homens podem ser belos e altruístas.

Como conseguiu transformar a morte em algo tão sublime? (Janete Saraiva, Fortaleza, CE)

Zusak – Tive a idéia de que a morte poderia distrair a si própria de nossa feiúra pela observação de nossa beleza – e da beleza do mundo a nosso redor. Também me senti livre para usar a linguagem de um jeito delicadamente diferente. Por exemplo: a morte se refere ao céu, às árvores e à terra como pessoas, e não como coisas. Quando ela diz “o céu, que era vasto e azul e magnífico”, vê o céu como um colega. Gosto da idéia de que tudo é parte de outro, e que a morte não é diferente disso. É somente outra parte de tudo que nós vivenciamos naturalmente. Quis que esse livro se aproximasse de encontrar a beleza imersa em um tempo tão terrível.

A menina que roubava livros" é muitas vezes relacionada a "O diário de Anne Frank". Como o senhor vê essa comparação? Anne Frank foi uma inspiração ou uma fonte de compreensão da época nazista? (Gabriel Almeida Ferreira, Barra Mansa, RJ)

Zusak – O fato de ser mencionado na mesma sentença que Anne Frank é uma honra. A personagem Liesel, de meu livro, é uma jovem garota que vive no mesmo período, o que explica essas comparações entre as duas. De alguma forma, vejo Liesel estranhamente como o outro lado de Anne Frank. Ela é uma personagem de uma história de ficção. É alemã e está escondendo um jovem judeu em seu porão. Fazendo justiça: o poder da história de Anne Frank quase não pode ser mensurado. É algo inesquecível e se sustenta sozinho e acima de qualquer outra coisa.

Por que seu livro fez tanto sucesso no Brasil? (Betina Weber, Varginha, MG)

Zusak – O sucesso desse livro foi um enorme choque para mim. Francamente, pensei que ninguém fosse lê-lo. Imaginei as pessoas descrevendo-o aos amigos assim: "Bem, se passa na Alemanha nazista, é narrado pela morte, quase todo mundo morre e tem 550 páginas". Foi justamente o que me libertou para escrevê-lo exatamente do jeito que eu quis. Alguém disse que os brasileiros são muito emotivos e que meu livro é muito emotivo. Talvez por isso o Brasil seja o país em que fez mais sucesso. Seja o que for, para mim foi uma grande recompensa fazer sucesso no Brasil.

Seu livro deverá virar filme. O senhor vai escrever o roteiro? (Gilmara Figueiredo, Linhares, ES)

Zusak – Felizmente, não. Levei 16 anos treinando para escrever esse livro. Não acho que poderia me transformar em um escritor de roteiros em um ano ou algo assim. Deixo isso para os especialistas.

Mesmo com um leve crescimento, o déficit de leitura ainda assombra os países de terceiro mundo, mesmo os emergentes, incluindo o Brasil. Para o senhor, esse baixo consumo literário está relacionado mais com a educação ou com a economia? (Silvio Belarmino Tristão, Franca, SP)

Zusak – Isso é algo que não posso comentar, principalmente porque não vivo no Brasil. Posso fazer uma comparação com a Austrália e com a cultura de leitura daqui. Aqui nós temos boas vendas de livros, mas é geralmente uma pequena porcentagem das pessoas que está comprando boa parte desses livros. Parece que a educação e a economia seguem lado a lado. Sem dinheiro para amparar crianças e aumentar o nível educacional, pode ser mais difícil. No meu caso, foram meus pais que nos - a mim e a minha irmã - na leitura. Então, encorajar os pais talvez seja tão importante quanto as crianças.

Tenho 21 anos e estou escrevendo um livro. Ainda não sei a quem procurar e o que fazer para publicar. Jovens escritores parecem não ter muito espaço no mercado editorial. O que você indica a eles? (Alessandro de Souza, Varginha, MG)

Zusak – Particularmente tento não me preocupar com isso. A melhor maneira de criar visibilidade é escrever algo que se destaque. Escrevi quatro livros antes de "A menina que roubava livros" e, mesmo que eu veja todas as falhas daquele livro, ainda percebo que trabalhei de forma muito mais dura e por muito mais tempo naquele livro do que nos demais - e compensou. Sei que não há um livro exatamente como ele em nenhum lugar, e acho que é no próprio trabalho em si que está a resposta. Assisti a muitos amigos divulgarem livros após livros enquanto eu estava escrevendo "A menina que roubava livros", mas pensei: "Não, não corra". Seja verdadeiro com o que você está fazendo. Escreva algo que é ambicioso e se esforce para ser algo muito diferente - você pode falhar, mas ao menos você está dando o seu melhor tiro. Ninguém pode acusá-lo de ter sido ordinário. Para ser publicado, você tem de ter algo sobre o qual os editores possam dizer: "Isso é diferente de qualquer outra coisa publicada neste ano, no ano passado e do que vou publicar no próximo ano".

Talvez a minha pergunta tenha um caráter conservador e, como estou no início da leitura, temo ser mal interpretado. Mesmo assim, gostaria de saber se o título da sua obra não representa um estímulo à prática do furto em livrarias. No meu entender, o título faz uma apologia a esse tipo de prática - que considero salutar, principalmente se o praticante o faz por uma questão de necessidade e dela tira todo o proveito. (Raimundo da Silva Sousa, Salvador, BA)

Zusak – Tem havido pessoas que vieram até mim e disseram "Eu roubei este livro" quando me pediram para autografá-lo. Mas, de uma maneira geral, não acho que seja um grande encorajamento para as pessoas roubarem livros de bibliotecas ou livrarias. Sei que quando nós amamos os livros ou seus personagens, freqüentemente imaginamos que somos um deles. A maioria das pessoas é assim. Não acho que o roubo de livros aumentará consideravelmente desde que meu livro saiu!

Qual o limite entre fatos da vida real e invenções numa obra de ficção? (Decio Mori, Mairiporã, SP)

Zusak – De uma maneira geral, o livro "A menina que roubava livros" é possivelmente 10% ou 15% realidade e 85% ficção. "Eu sou o mensageiro" (outro grande sucesso do autor) seria 2% real e 98% ficção. O estranho é que os momentos que são reais são freqüentemente os mais difíceis de acreditar...

Um dos grandes deflagadores de conflitos e guerras tem sido, ao longo da História, a intolerância quanto às diferenças raciais. No Brasil convivemos com pessoas de muitas origens diferentes e há miscigenação. Como você vê isso? Conhece outro lugar no mundo onde acontece isso sem causar conflitos? (Graziela Fracalanza Lippel, Caraguatatuba, SP)

Zusak – Estive no Brasil por somente pouco mais de uma semana - provavelmente não o suficiente para avaliar o nível de compreensão racial. Encontrei pessoas de um vasto espectro de repertórios e amei isso no Brasil. Pelo que vi ao redor do mundo, percebi que as pessoas vão sempre encontrar algo de diferente e de igual uns sobre os outros - de raça à religião, até qual time de futebol eles torcem. Tenho de ser honesto: isso é algo que não observei para analisar. Tudo o que sei é que sempre achei os lugares com um leque diverso de culturas mais excitantes.

Também sou nascido em outro país, a Grécia, mas moro no Brasil há bastante tempo. Fiz daqui minha pátria mãe. Assim sendo, gostaria de saber qual a diferença que você sente entre o seu país e o Brasil. Existe similaridades na pobreza, insegurança, falta de escolas? (Patrick Dimon, São Paulo, SP)

Zusak – Na Austrália há uma vasta porcentagem de assalariados médios - quase a ponto de os australianos tentarem dizer que somos uma sociedade sem classes -, o que não é a absoluta verdade. A questão é que a maioria das pessoas se encontra em algum lugar no meio do nível de abundância, e não em uma das pontas. Algo que me surpreendeu no Brasil foi haver uma área claramente muito rica bem ao lado de uma área muito pobre, em vez de essas divisões geográficas acontecerem gradualmente. Às vezes eu me sentia extremamente seguro no Brasil, às vezes não... Mas em toda cidade há lugares onde é inseguro ir sozinho. O nível de insegurança depende somente de quantos desses lugares existem.

Escritores australianos renomados na cena internacional são pouco conhecidos. Já os americanos são sucesso de vendagens em qualquer canto do mundo. A que você atribui isto? A qualidade dos livros americanos é realmente superior? Faltam bons escritores na Austrália ou as chances estão cada vez menores? (Felipe Alves, São José, SC)

Zusak – Há somente 20 milhões de pessoas na Austrália, enquanto nos Estados Unidos há 300 milhões. Por essa razão eles têm uma indústria da escrita muito maior e mais produtiva - e mais escritores. Essa é a principal razão. Eles têm os meios para investir mais em seus escritores - para colocá-los em viagens, fazer uma boa publicidade deles e ter certeza de que eles têm bastante exposição. Os australianos comumente precisam ser bem-sucedidos tanto na América quanto na Inglaterra antes de começarem a serem bem-sucedidos em outros países. Em alguns casos, como foi o meu, até mesmo no seu próprio país de origem.

Lendo "Eu sou o mensageiro" pude observar que você ainda tem fé, sobretudo, nas pessoas. Como foi intercalar essa fé nos humanos com a merecida falta de esperança e assombro demonstrado pela Morte, narradora de "A menina que roubava livros"? Os mensageiros da atualidade podem mudar a visão da existência humana formada pela Morte? (Gabriel Almeida Ferreira, Barra Mansa, RJ)

Zusak – Eu devo ser um eterno otimista… Eu não posso dizer o que as pessoas comuns podem fazer, mas eu acredito que essas coisas são pessoais. Eu estou mais interessado no que a pessoa pode fazer um dia, de uma forma maior algumas vezes, mas mais freqüentemente de formas pequenas. Deve haver dúzias de pequenas decisões que fazemos a cada dia. Eu sempre tento dizer a mim mesmo: "Tome boas decisões". Às vezes eu faço e às vezes não... mas, como todo mundo, eu acho que eu estou tentando tomar mais boas do que más.

Por que os livros no Brasil são tão caros? Qual a fórmula para barateá-los em versões mais populares? (Samuel Pedro, Rio de Janeiro, RJ)

Zusak – Eu não sei exatamente. Na Austrália os livros são muito caros também. Eu sei que há lugares, como os Estados Unidos e a Inglaterra, nos quais os livros de brochura são muito baratos. Eles freqüentemente publicam uma edição cara, de boa qualidade e capa dura, e uma mais barata, feita de brochura. Aqui nós temos algo intermediário: uma edição muito bem feita de brochura... mas que também é muito cara. Eu não tenho a solução para tornar os livros mais baratos.

Algum crítico já escreveu algo "desagradável" sobre algum livro seu? Como você reage diante de críticas negativas? E diante das construtivas, ou dos elogios? Algum comentário crítico - bom ou ruim - já influenciou algum trabalho seu? Se sim, qual? (Letícia Leal, São Gonçalo, RJ)

Zusak – Sempre haverá coisas negativas sendo ditas sobre um livro. Você simplesmente não pode agradar a todos. Às vezes eu penso sobre isso dessa forma. Geralmente quando termino um livro eu fico acordado a noite toda. Você pode escrever a última sentença às cinco da manhã. O sol pode estar quase saindo. Essa é uma das maiores sensações de todas - e você sabe que é suficiente. Isso é o que realmente importa. E você também sabe outra coisa... Neste mesmo momento, todas as críticas negativas estão dormindo na cama.

Eu tento não ouvir o que dizem sobre minha escrita. Para ser um escritor eu penso que eu preciso gostar de estar só. Então vem um tempo em que você esquece de tudo e isso se transforma em história. O livro é tudo, e o que as pessoas disserem sobre é inútil nessa hora. O melhor é pensar que ninguém vai lê-la. É sempre quando um livro realmente começa a engrenar para mim.

Por que os brasileiros não têm como hábito a leitura de livros? Será que é porque eles são caros? Ou não temos essa cultura de ler um bom livro? (Luiz Vicente, São Paulo, SP)

Zusak – Essa é uma questão que não me sinto qualificado para responder. É justamente o que acontece também na Austrália, mas numa extensão menor. Eu acho que as artes em geral merecem muito mais atenção da mídia, assim como é feito em alguns países europeus. Seria um ótimo começo, eu acho.

Markus, como é para um escritor tão jovem como você saber que sua obra foi tão bem recebida e alcançou o coração de tantas pessoas, em várias partes do mundo? (Graciane A. de Paula, Belo Horizonte, MG)

Zusak – Isso me surpreendeu, mas eu realmente não penso muito sobre isso. Eu não saio da cama pensando "sou um escritor muito conhecido". Eu geralmente saio da cama pensando "Ah, não, como eu vou melhorar esse livro que estou escrevendo? Eu não consigo nem escrever a primeira página de trabalho!" O desafio está sempre em escrever e é no que eu quero me concentrar. Tão importante quanto ser bem conhecido, não me entenda mal. Eu não a considero como garantia. E ainda algo para ser aproveitado, e eu sou grato pelas pessoas fantásticas que publicaram meus livros e pelas que os lêem.

Escritores costumam, com alguma freqüência, incluir-se em suas histórias, ou pelo menos incluir algum conceito tirado de si mesmos, emprestando vozes para os personagens. No seu caso, há algum personagem que melhor o reflita? E Liesel, foi inspirada em alguém em particular? (Leonardo Lamha, Macaé, RJ)

Zusak – Sim, definitivamente há parte de mim em tudo o que escrevo. Todos os personagens têm partes de mim neles. Ed Kennedy (de "Eu sou o mensageiro") é provavelmente um pouco de como eu me sentia quando tinha dezenove anos, embora não fosse exatamente daquele jeito. Você só põe pedaços de você mesmo nos personagens. Até mesmo a morte tem elementos do meu caráter nela. É inevitável.