quinta-feira, março 26, 2009

Ronaldo, o eterno retorno

Jean-Pierre Langellier, no Le Monde

É um acontecimento considerável para o futebol brasileiro, talvez mesmo para todo um povo: Ronaldo ressuscitou. De volta ao país no ano passado, machucado e gordo, o "Fenômeno" encontrou um clube, o lendário Corinthians de São Paulo, e, sobretudo, muito rapidamente, balançou as redes. Foram dois gols em três partidas - o texto foi concluído antes da partida de ontem (25), do Corinthians contra a Ponte Preta -, resultando em um empate e uma vitória no campeonato local.

O ex-centroavante prodígio mudou de visual. A cabeça raspada desapareceu sob os cabelos pretos e cacheados. A sombra de um bigode e um início de barbicha ornam o rosto um pouco inchado. O maior atacante de sua geração, com a idade (32 anos), também mudou o seu jogo. Foram-se os dribles incríveis, as longas corridas solitárias, as acelerações, tudo sobre músculos e magia, que lhe renderam duas Bolas de Ouro (1997, 2002) e três títulos de melhor jogador do ano (1996, 1997, 2002). Hoje ele joga de forma mais coletiva, menos espetacular, mas continua a buscar gols, por instinto. Esse dom inato fez dele o mais eficiente artilheiro da Copa do Mundo. Quinze gols. Um recorde que será difícil de bater.

Ronaldo iniciou sua ressurreição, com coragem e obstinação, alguns meses antes de seu retorno oficial para os gramados. Na sala de musculação, sob o olhar de seu fisioterapeuta, e nas caixas de areia do Parque São Jorge, o campo de treinamento de seu clube. Esses exercícios intensos têm por objetivo queimar suas calorias. Aquele que acabaram chamando, sem ternura excessiva, de "o Gordo", de tanto que sua silhueta inflou, deve obrigatoriamente ainda perder três quilos para voltar a ter agilidade. Tudo isso enquanto administrava suas articulações, notoriamente frágeis. Pois, ao longo da sua carreira, Ronaldo muitas vezes deixou os estádios em uma maca. Pode-se dizer que seus joelhos são seu calcanhar de Aquiles.

O direito sofreu lesões duas vezes (1999, 2000) e o esquerdo, uma, em fevereiro de 2008. Após cada rompimento de seus tendões da rótula, o jogador passou pelas mãos do professor Saillant, no hospital Pitié-Salpêtrière, em Paris. Sua última contusão foi jogando no AC Milan, onde ele estava em fim de contrato. Desde então, ele não jogou em partidas oficiais.

De volta ao Rio de Janeiro, sua cidade-natal, Ronaldo vira notícia, dois meses mais tarde. Ele foi surpreendido em um motel na companhia de três prostitutas travestis, sendo que um, figura conhecida pela polícia, sob seu falso nome (Andreia Albertine), pegou seus documentos e tentou lhe extorquir US$ 30 mil. O jogador disse que estava sofrendo "alguns problemas psicológicos" e logo foi perdoado.

Hoje, Ronaldo incendeia o Brasil, a começar pelas arquibancadas do velho estádio municipal, em estilo art déco, do Pacaembu, baluarte dos corinthianos, o clube dos 25 milhões de torcedores - perdendo somente para o Flamengo, no Rio. Ele usa a camisa branca de listras pretas, cores de times tradicionais, que antes dele, vestiu toda uma linhagem de campeões: Garrincha, Gilmar, Rivelino, Sócrates e Rivaldo. Ele assinou um contrato de um ano, com possibilidade de renovação

Em dias de venda de ingresso, uma fila humana interminável se estende diante dos guichês do estádio. Seis mil pessoas assistiram à sua primeira sessão de treinamento. Entre os espectadores que comemoraram os gols de Ronaldo com o longo grito ritual de "Goooool", a imensa maioria nunca o havia visto marcar, a não ser pela televisão.

Por uma razão simples: profissional aos 15 anos, o jovem Ronaldo Luis Nazário de Lima tinha somente 17 quando partiu em 1994 para o PSV Eindhoven, após uma temporada brilhante no Cruzeiro Esporte Clube - 58 gols em 60 partidas, e depois de ter jogado somente quatro vezes em São Paulo.

Um Ronaldo envelhecendo suscita, então, junto dos torcedores locais, uma curiosidade que reforça o entusiasmo de vê-lo marcar gols. Como cada estrela que nasce logo se apressa em ir à Europa, por salários mais suntuosos, o Brasil, em busca de ídolos, está mais do que feliz de admirar uma delas em casa, ainda que em declínio.

Renascimento sustentável ou canto do cisne? Ronaldo quer acreditar em seu futuro. Ele sonha em vestir novamente a camisa nacional verde e amarela, e participar, em 2010, na África do Sul, de sua quinta Copa do Mundo, depois de já ter ganho duas, sendo a primeira no banco de reservas, em 1994.

Uma perspectiva que o técnico Dunga não descarta, acrescentando, com prudência: "Isso dependerá dele". De sua forma física, mas também de sua conduta fora dos estádios. Festeiro assumido, Ronaldo frequenta um pouco demais os clubes noturnos para o gosto de seu treinador.

Enquanto espera, Ronaldo, apesar de seu gordo salário, é um excelente negócio para seu clube e seus patrocinadores. As partidas têm ingressos esgotados e as vendas de produtos derivados crescem. A Nike oferece na Internet 22 modelos da célebre camisa número 9, que podem ser pagos em sete parcelas mensais sem juros. A volta à forma do jogador também é boa para o moral dos brasileiros. Velho fã do Corinthians, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, há alguns dias, a uma multidão de operários: "Contra a crise, Ronaldão!"

Publicado no UOL Internacional.

sexta-feira, março 06, 2009

Modelo econômico antiquado ajuda o Brasil

Da BBC Brasil

Alguns aspectos ditos antiquados da economia do Brasil estão agora ajudando a conter os estragos provocados pela atual crise mundial, diz a revista The Economist em sua edição desta semana.

Em reportagem intitulada "Colhendo os frutos da indolência", a publicação lembra que até pouco tempo atrás a influência "dominadora" do Estado sobre o setor financeiro vinha "atrasando" a economia brasileira.

"Mas nas novas circunstâncias, essas políticas lamentáveis repentinamente parecem distantes e deram à crise global uma cor diferente no Brasil", diz o texto.

"Outros países estão tentando descobrir como administrar bancos e crédito direto. Isso é algo que o Brasil fazia mesmo quando já estava fora de moda", afirma a revista. "Mas é um sinal dos tempos o fato de recentemente, em uma pesquisa sobre o Brasil, o (banco de investimentos) Goldman Sachs ter citado o envolvimento do Estado nos bancos como algo positivo."

A "Economist" lembra, no entanto, que apesar de o Brasil ter sido poupado dos piores efeitos da crise global, a economia do país está se enfraquecendo. A revista cita o aumento de demissões na economia formal e a queda da produção industrial.

"O Brasil deve demorar a sair da crise, assim como demorou para entrar nela", decreta a reportagem.

Mas o texto ressalta que, se comparada com o que outras nações estão vivendo hoje, a economia brasileira atual ainda está em forma. "Dada a antiga tendência do Brasil de sofrer um ataque cardíaco cada vez que outras economias internacionais ficavam estressadas, a notícia é impressionante."

Para a revista, dois dos principais motivos para o Brasil ter melhorado nesse aspecto foi a dívida do setor público, que foi levada para abaixo da linha de 40% do PIB, e a reserva de US$ 200 bilhões para defender o real.

"Mas o mais importante é que a crise não está fazendo a inflação subir - o ponto-fraco congênito do país", diz o texto. "Isso permitiu que o Banco Central cortasse juros para tornar a dívida pública mais barata. Esta é a primeira vez que o Brasil consegue manter uma política monetária anticíclica."

A revista entrevistou economistas brasileiros que preveem que os gastos públicos devem subir neste ano, por causa da proximidade das eleições presidenciais - o que deve reduzir o superávit primário.

"Em outras épocas isso assustaria o mercado, mas agora eles devem ter menos pânico, já que as finanças governamentais estão mostrando o mesmo grau de deterioração - ou pior."

segunda-feira, março 02, 2009

David vence Golias

Eliakim Araújo, no Direto da Redação

O site Espaço Vital, um dos melhores em assuntos jurídicos, publicou esta semana a decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Goiás confirmando sentença do juiz de primeira instância que condenou o Bradesco a indenizar o funcionário Marlon Ornelas Ferreira, em 40 mil reais, por ridicularizá-lo em atividades chamadas de "jogos de motivação".

O "joguinho" funcionava assim. Quando o funcionário não atingia determinada meta na venda de produtos do banco, como foi o caso de Marlon, ele enfrentava em público toda sorte de humilhações. Era obrigado a usar na frente de todo mundo um chapéu de burro, tinha que trabalhar nas festas de fim de semana como garçom, além de dançar na boca da garrafa e ganhar rabinho de asno.

Humilhado e envergonhado no ambiente de trabalho, Marlon procurou a Justiça em busca de uma reparação moral pelos danos sofridos. O juiz acolheu seu pedido e condenou o Bradesco ao pagamento da indenização. O banco recorreu ao TRT e depois ao TST e perdeu nos dois tribunais. O voto do relator no TST, ministro Walmir Oliveira da Costa, confirmou que "o ato ilícito ficou provado e, portanto, o banco tem obrigação de indenizar o empregado".

Foi a derrota do gigante Golias para o pequenino Davi. O caso de Marlon versus Bradesco deve ser espalhado aos quatro ventos, para que todos saibam que, apesar dos últimos e revoltantes acontecimentos em nosso tribunal supremo, ainda há juizes dignos que merecem o respeito da população brasileira. Todos os magistrados envolvidos no processo foram corretos em suas decisões e não se atemorizaram diante de uma empresa poderosa como o Bradesco, que deve ter um corpo jurídico milionário.

A propóstito, em 2008, o Bradesco ganhou menos que em 2007, mesmo assim contabilizou a “modesta” quantia de 7,62 bilhões de lucro líquido. Lucro proveniente da agiotagem que impera hoje no sistema bancário brasileiro. O banco, cruel e covarde, se aproveita da vulnerabilidade de milhões de clientes em difícil situação financeira e cobra juros escorchantes que a vítima, o tomador, aceita por não ter outra alternativa.

Isso acontece principalmente com os milhões de aposentados da previdência social. Com a pequena pensão que recebem quando se aposentam e a consequente redução do padrão de vida, os pensionistas ficam nas mãos dos gerentes de banco. Conseguem empréstimos com facilidade, nem precisam dar garantias, porque a mensalidade é descontada diretamente da pensão.

Essa é uma prática desumana que os bancos brasileiros, inclusive os oficiais, adotam impunemente. Além da agiotagem, sufocam o tomador com mais de um empréstimo, pouco se lixando se ele terá dinheiro para comprar a comida e os remédios de que necessita.

É público e notório que em nenhum lugar do mundo um empréstimo custa tão caro como no Brasil. Recente estudo do FMI, em 107 países, mostrou que os juros cobrados pelos bancos brasileiros são os mais altos de todos. É hora do governo brasileiro intervir duramente nesse mercado. Primeiro, baixando vigorosamente os juros e, segundo, fiscalizando as atividades bancárias para impedir que a ganância dos banqueiros sufoque o cidadão que um dia precise recorrer a um empréstimo bancário.