quinta-feira, maio 07, 2009

Os corajosos nem sempre são premiados

Rob Hughes, no International Herald Tribune

Um lutador britânico é nocauteado em Las Vegas e o Estado de Nevada não permitirá que pratique boxe ali de novo, a menos que possa persuadir os especialistas de que seu cérebro não corre risco de dano permanente.

Um jogador de futebol britânico tromba com outro à beira do gol. Ele cai com um ferimento na costela e cospe sangue. Os exames no hospital mostram que nada está quebrado, mas o pulmão está machucado. Ele volta em uma semana, determinado a jogar a segunda partida da semifinal da Liga dos Campeões.

Um atacante brasileiro retorna após sua quarta lesão no joelho que ameaçava colocar um fim à sua carreira. O público zomba de seu excesso de peso, mas ele responde com gols que levam sua equipe a um triunfo não conseguido por outra equipe há 37 anos.

A gestão da dor é, e sempre será, uma parte dos esportes de contato. Mas enquanto o boxeador Ricky Hatton troca uma possível lesão cerebral por uma bolsa de US$ 8 milhões, os jogadores de futebol não são pagos para colocar sua saúde sob tamanho teste.

Mas Rio Ferdinand, um zagueiro do Manchester United, e Ronaldo, atualmente atacante do Corinthians, podem estar fazendo exatamente isso.

Ferdinand passou a noite de quarta-feira sob observação no hospital após liderar sua equipe na vitória de 1 a 0 sobre o Arsenal, no primeiro jogo da semifinal.

Ronaldo é lembrado por seus retornos após cirurgias no joelho tanto quanto pelo seu apetite insaciável por marcar gols.

O lutador sabe os riscos, mas às vezes precisa ser contido por aqueles que administram sua profissão perigosa.

O jogador sabe, lá no fundo, que toda partida pode ser sua última. Mas às vezes o futebol também precisa de homens mais sábios que protejam os jogadores de si mesmos.

"Havia preocupação na última quarta-feira quando Ferdinand teve que deixar o campo", disse Alex Ferguson, o treinador do Manchester, na segunda-feira após a volta de Ferdinand aos treinos normais. "Quando ele cospe sangue, você se preocupa."

"Mas, felizmente, não foi tão sério. Ele perdeu o jogo de sábado, mas antes de uma semifinal tão importante quanto a de terça-feira, você quer todos em forma e é o que temos."

Ferguson é o treinador mais experiente no topo do futebol internacional, mas até mesmo ele fica impotente no momento em que um jogador cai. Quando Ferdinand caiu após colidir com Nicklas Bendtner do Arsenal, o médico do clube teve que tomar uma rápida decisão.

Seu jogador sofreu mais do que uma falta. Ele não conseguia se levantar, ele cuspia sangue, mas como jogadores costumam fazer, Ferdinand implorou para que lhe permitissem terminar a partida.

O 76 mil torcedores ficaram tão calados que era possível ouvir o apelo do capitão para jogar. E foi possível ler a resposta em seus lábios quando o treinador lhe disse que sua participação no jogo tinha terminado.

Com sorte, o bom senso de Ferguson poupou Ferdinand de qualquer sequela duradoura de um acidente esportivo.

Mas qualquer um que já praticou esportes ou que passou por cirurgia em juntas que suportam o peso devem temer por Ronaldo. Ele é um homem abençoado com um talento incrível e aparentemente amaldiçoado por tendões incapazes de suportar o peso dele, sua velocidade de virar e chutar de posições que parecem desafiar a gravidade.

Ele sofreu uma cirurgia no joelho em 1999 e outra em seu retorno em 2000. Poucos acreditaram que ele conseguiria voltar de 36 meses de recuperação para a Copa do Mundo de 2002. Mas o "Fenômeno" marcou gols decisivos para a conquista pelo Brasil do torneio no Japão.

A dor pela qual ele passou, as dúvidas de tantas pessoas próximas dele, foram eliminadas pelo desejo dele. Ele não sabe outra coisa na vida. Seu papel é ser o principal atacante em qualquer campo que jogar.

Gols e lesões são seus companheiros constantes. Não importa onde no mundo ele jogue. Ele marcou em sua infância no Brasil, na adolescência na Holanda, no seu auge na Espanha para o Barcelona e o Real Madrid, e durante seu breve e doloroso relacionamento com ambos os clubes de Milão, a Inter e o Milan.

Em todos eles, Ronaldo foi um vencedor. Em todos eles, seus joelhos cederam. O Milan desistiu dele quando, em fevereiro de 2008, aos 31 anos, ele rompeu novamente o tendão do joelho.

Não houve violência, pancada, apenas a ruptura do tendão quando o homem girou com a bola.

"Meu coração me diz para jogar de novo", disse Ronaldo em seu leito no hospital em Paris, para onde foi levado para uma nova cirurgia. "Mas meu corpo me envia sinais de fadiga e sofrimento. Se estiver bem, eu jogarei de novo. Se o fim for outro, será difícil e triste. Eu sei exatamente que pontes tenho que atravessar."

Uma delas foi a impaciência de seu último empregador. Silvio Berlusconi, o dono do Milan, fez promessas tranquilizadoras que desapareceram com as semanas, meses e finalmente o ano de inatividade forçada.

Quando Ronaldo voltou para se recuperar no Rio de Janeiro, muitos presumiram que ele tinha voltado para casa para se aposentar. Mesmo quando ele retomou os treinamentos, no Flamengo e não no Corinthians, os críticos zombaram.

O Fenômeno Gordo, eles diziam, nunca voltaria a ser o velho Ronaldo.

Talvez não. Talvez a idade tenha diminuído seu ritmo elétrico, sua flexibilidade para agir de acordo com sua imaginação e se mover, virar e atacar como poucos, já sejam coisas do passado.

O Corinthians achou que não. Seus diretores, preparando o clube para a comemoração do seu centenário em 2010, fizeram a Ronaldo uma oferta que o Flamengo não podia igualar. Era um contrato experimental de um ano.

Passado um mês do acordo, Ronaldo já tinha marcado oito vezes. Ele parece pesado e estático em comparação ao que era. Mas assistindo aos seus gols pela rede Globo, um Ronaldo velho e lento ainda é duas vezes mais jogador do que qualquer outro.

Pé esquerdo, pé direito, cabeça, ele simplesmente ataca enquanto todos ao seu redor hesitam. Na semana passada, quando marcou o primeiro dos dois gols do Corinthians contra o Santos, ele parecia correr maior risco durante as comemorações.

Após um gol, ele pulou as placas publicitárias, seus companheiros pularam atrás dele e o jogaram contra o alambrado que separa os jogadores dos torcedores.

O Fenômeno estava de volta e, apesar de um ferimento na costela que poderia muito bem ter ocorrido durante as comemorações, ele jogou no domingo no empate do Corinthians com o Santos por 1 x 1.

O resultado concluiu a missão de conquistar o Campeonato Paulista. Além disso, após 37 anos sem acontecer na competição, o Corinthians conquista o título de forma invicta.

Mas o velho clube tem sonhos maiores: competir na Copa Libertadores com o não tão velho Ronaldo como sua máquina de gols.

A artrite pode esperar.

Publicado no UOL Internacional.