sábado, outubro 31, 2009

Bastardos gloriosos

João Pereira Coutinho, na Folha Online

Saio de casa para assistir a "Bastardos Inglórios", o último filme de Quentin Tarantino. Trinta minutos depois, a dúvida metafísica: sair ou não sair, eis a questão. Decido ficar. Decido bem. A minha saúde pode não aguentar tanta risada. Mas, ó deuses, se eu morrer agora, morrerei feliz.

E morrerei feliz pelas exatas razões que perturbaram a crítica "séria" e "moralista", sobretudo na Europa. Quentin Tarantino parodiou a Segunda Guerra Mundial e transformou os judeus nos verdadeiros carrascos do processo?

O meu reino não é deste mundo. Envio apenas um conselho aos filistinos: quem quer saber história, estuda e lê história. Salas de cinema são salas de cinema. Repitam comigo. E repitam também: "Bastardos Inglórios" é, primeiro que tudo, um filme sobre o cinema. Ou, precisando, um filme sobre o poder literalmente salvífico e redentor que o cinema tem sobre a história.

Começa por ter esse poder na própria transfiguração da verdade. Vocês, caros leitores, estão habituados a filmes sobre o Holocausto onde os judeus são meros carneiros nas matanças nazistas? Filmes de um sentimentalismo vulgar que apenas diminui o sofrimento real e inimaginável, e por isso mesmo infilmável, dos judeus na Segunda Guerra?

"Bastardos Inglórios" começa por subverter o clichê: os judeus, agora, não são apenas vítimas; também são vingadores, matando nazistas com uma violência paródica e catártica. Liderados por um "redneck" da América profunda (Brad Pitt, primoroso), eles aterram na França ocupada para matar alemães como se matam ratazanas. À paulada.

Paralelamente às pauladas, encontramos também uma sobrevivente judia e francesa, Shosanna (Mélanie Laurent, primorosa), que também ajuda os "Bastardos". Depois de ver a própria família massacrada pelas "ratazanas", ela resolve tratar do assunto montando a sua vingança. Pelas chamas.

Não é fácil aceitar essa inversão essencial de papéis. Desconfio, aliás, que é exatamente por isso que a política defensiva de Israel, hoje, continua a provocar tanta fúria na consciência piedosa do mundo. Como é possível que os judeus, nossos eternos cachorrinhos de estimação, sejam também lobos contra os seus inimigos? Gostamos das vítimas enquanto elas são vítimas. Tarantino explode essa covardia suave.

Mas "Bastardos Inglórios" não se limita a usar o cinema para conceder uma retribuição fantasiosa às vítimas da história. Em "Bastardos Inglórios", é também no cinema, espaço físico de destinos alternativos, que se constrói um desfecho histórico alternativo.

Não sabemos o que teria sucedido à Alemanha se Hitler tivesse sido eliminado em 1939, ou em 1943, ou em 1944: três datas, três tentativas sérias. Provavelmente, o Reich teria desabado mais cedo. Mas sabemos que, em "Bastardos Inglórios", Hitler e seus gângsteres são eliminados na sala de cinema. Como se a sala de cinema fosse também um tribunal último, capaz de repor um simulacro de Justiça num mundo tão radicalmente injusto.

Existe humor em Tarantino. Existe violência. Existe, palavra essencial, extravagância. Mas o amor ao cinema, como arte e possibilidade, é provavelmente maior do que a soma das três partes.

Disse humor, disse violência, disse extravagância exatamente por essa ordem. Reitero. Esse trio explica a minha estima literária por Tarantino, um diretor que, antes de pensar com imagens, pensa com palavras. Haverá algum diretor vivo que escreva diálogos como Tarantino?

Sim, Woody Allen seria um nome válido. Mas Woody Allen é um mestre do "punch line", essa procura desesperada da piada inesperada. Tarantino é um mestre das preliminares. Ele sabe que a piada está no adiamento da piada. Por isso os diálogos de Tarantino nos parecem tão luminosos, no sentido espiritual do termo: eles são a última exibição de racionalidade antes da carnificina irracional.

Em "Cães de Aluguel", os bandidos discutem o significado real do tema "Like a Virgin", de Madonna, momentos antes do assalto bancário que corre barbaramente mal. Em "Pulp Fiction", meditamos com Jules (Samuel L. Jackson) e Vincent (John Travolta) sobre o significado sexual de uma massagem nos pés, momentos antes de massacrarem um grupo de pagadores relapsos.

Em "Bastardos Inglórios", esse prazer sádico de esticar a corda é cultivado da primeira à última sequência. Como se os diálogos fossem meras antecâmaras de uma violência que se promete e anuncia.

E, quando ela chega, nunca a expressão "comic relief" foi tão apropriada.

terça-feira, outubro 20, 2009

O rei do Rio

Trajetória do homem mais rico do Brasil, que agora sonha em controlar a Vale, combina superstição e obstinação em negócios ao redor do mundo

Da Folha Online

O mineiro Eike Fuhrken Batista, 52, há tempos não se lembra dos seus sonhos. No último que a memória guardou, ele voava. "Sozinho?", pergunta o interlocutor. "Sozinho! O Super-Homem não voa?"

Ele não esqueceu os sonhos que o embalavam aos 16 anos. Na escola na Alemanha, onde morava com a família, descobria nos livros a saga de Francisco Pizarro, o espanhol que saqueou o ouro dos incas na América do Sul do século 16.

"Aquilo me fascinava, a história de salas cheias de barras de ouro", conta. "Eu me transferia para o ambiente e parecia que segurava aquele negócio."

Quando uma cartomante carioca sugeriu-lhe no crepúsculo do século 20 que acorresse a Cusco, a capital do Império Inca, Eike (pronuncia-se "Aique") voou até o Peru. Em obediência às instruções, deitou-se de barriga para cima em um campo de futebol e mirou o céu por cinco minutos.

"Ela disse que iria reordenar o cosmos, a linha da vida seria reajustada." E funcionou? "Acho que sim, está tudo bem."

Ainda em Cusco, um guia apresentou-o a uma índia bruxa. Ela pediu que Eike comprasse um saquinho de folhas de coca. A feiticeira soprou-as e pontificou sobre o pai do visitante, saúde e outros assuntos. "Foi interessante", recorda Eike, no restaurante chinês Mr. Lam, estabelecimento no Jardim Botânico, zona sul do Rio, que ele fundou e no qual investiu R$ 8 milhões. Abaixo da edificação, mandou cravar uma barra de cobre.

A providência destina-se a espantar más energias, aplicando o feng shui, conhecimento chinês segundo o qual a disposição de objetos influi no cotidiano das pessoas. No seu escritório, em frente à praia do Flamengo, ele se senta voltado para a porta. "Você apara as energias (ruins) de quem vem de fora."

Desses desencontros, não guarda rancor de ninguém, assegura. A astrologia contribui para entendê-lo, ensina Eike, nascido em 3 de novembro: "Escorpião é muito amigo, leal com quem é leal com ele".

"O lado vingativo, típico do escorpião, consegui dominar com a idade. Depois dos 30, quem rege mais você é o signo ascendente." O dele é capricórnio. Porém permaneceram, afirma, dons escorpianos de "tenacidade e perseverança".

Ele lapida a sorte com o número 63, rebento do acaso. Em uma competição de lanchas, buscou o 3 e o 33, já ocupados. Sobrou o 63, com o qual definiria até os centavos nos lances de sua empresa OGX em leilões de blocos para exploração de petróleo. Consagrou-se campeão mundial em categoria da motonáutica. Alcançou no mar a velocidade de 270 km/h.

Nesse ritmo, tornou-se o brasileiro mais rico e o número 61 do planeta, conforme ranking da revista "Forbes" divulgado em março. Seu patrimônio atingia US$ 7,5 bilhões.

É tanto dinheiro que, se ele se sentasse na gangorra diante do capo das comunicações italiano, Silvio Berlusconi, cada um pesando quanto vale, a balança penderia para Eike - o primeiro-ministro e sua família detinham US$ 6,5 bilhões.

Os cifrões de Eike dariam para bancar sozinho o Bolsa Família neste ano. Dos 60 mais abastados que ele, só 11 são mais jovens. Bill Gates, 53, lidera a corrida com US$ 40 bi.

A contabilidade da "Forbes" se fundamentou em empresas de capital aberto. Na Bovespa, Eike controla quatro delas, sob as asas da holding EBX - como todas suas companhias, o nome se encerra com um xis, emblema destinado a augurar a multiplicação de riqueza.

O logotipo é um sol, símbolo inca. A mesma imagem, moldada em ouro, Eike ostentava no pescoço no primeiro dos dois encontros com a Folha, em entrevista de 4 horas e 20 minutos no seu restaurante. Lá ele contou a história do primeiro milhão de dólares, amealhado com compra e venda de ouro do Pará; do primeiro bilhão, após oito minas de ouro no Brasil e no exterior.

Projetou: com suas ações fortalecidas e somando bens ausentes da Bolsa, a fortuna já ultrapassa os US$ 20 bilhões, rumo a coroá-lo o capitalista mais fornido do mundo - a considerar o valor de anteontem do seu quinhão nas companhias de capital aberto (de 54% a 76% de cada uma), Eike detém o equivalente a US$ 24 bilhões em ações na Bovespa.

Na conversa, ele indagou ao repórter: "O que te surpreendeu nesta entrevista? Você me conhecia lendo coisas. O que não bate ou bate?".

Insistiu: "Deixa eu entrevistar você: o que as pessoas falam de mim por aí? O que eu sou?".

Nos quatro dias seguintes, adquiriu a concessão da Marina da Glória, cartão-postal da cidade; a candidatura do Rio à Olimpíada de 2016 triunfou, após campanha cujo principal patrocinador individual foi Eike, com R$ 23 milhões; e sua companhia mais promissora descobriu indícios de petróleo na bacia de Santos. Só nessa operação, em sete horas de pregão da Bovespa, o controlador da OGX enriqueceu - em papéis - cerca de US$ 1,5 bilhão, soma superior às vendas da Renner ou da Goodyear no Brasil em 2008.

Eliezer Batista da Silva presidiu a Companhia Vale do Rio Doce no governo Jânio Quadros, de 1961; foi ministro de Minas e Energia em 1962 e 1963, na administração João Goulart; no golpe de 1964, afastaram-no do comando da Vale; retomou a chefia da mineradora a partir de 1979, no mandato do general João Baptista Figueiredo; em 1992, Fernando Collor nomeou-o para a Secretaria de Assuntos Estratégicos. Aos 85 anos, permanece um azougue intelectual à altura da legenda de estrategista da logística e do desenvolvimento.

Eliezer foi um pai ausente. Inquirido sobre a asma de Eike, o segundo dos sete filhos que teve com a alemã Jutta, minimiza: "Não era muito forte". "Eu sofria de asma, de cair da cama e não respirar", contradiz Eike, ignorando o relato paterno. Ele se curou da doença graças a quem mais o influenciou, a mãe. Na Europa, Jutta obrigava-o a nadar mesmo em dias gélidos.

"Quando eles eram menores, eu vivia viajando, não tinha quase contato", lamenta Eliezer (a sílaba tônica é a última). Só para o Japão, contabilizou 178 missões pela Vale.

"Eike herdou da mãe toda a disciplina germânica, a persistência", diz Eliezer. "Ela pegava uma criança de três anos, botava para esquiar, jogava colina abaixo. Que mãe brasileira faz uma coisa daquela? Mas se cria gente dura. Modifica o caráter da pessoa." "Minha mulher foi criada na Juventude Nazista", confidencia o viúvo de Jutta, morta em 2000.

No Rio, aonde chegou depois de nascer em Governador Valadares (MG) e morar por pouco tempo em Vitória (ES), Eike estudou em colégio germânico. Na mudança para a Europa aos 12 anos, o alemão predominou como idioma doméstico, inclusive de Eliezer. Quando os pais retornaram para o Brasil, o graduando de engenharia Eike prosseguiu entre a cidade alemã Aachen e a capital belga, Bruxelas.

Com mesada curta - ele se define como classe média alta na juventude -, oferecia seguros residenciais de porta em porta. Desenvolveu um talento de vendedor, o de ouvir: além de alardear as virtudes dos seus produtos, assentia que senhoras segredassem alegrias e tristezas. Bombou.

Em 1979, de volta ao Brasil, embrenhou-se na Amazônia em compra e venda de ouro. Montou mina no meio da selva. Diz que recebeu um tiro pelas costas dado por um garimpeiro de quem cobrava dívida. Socorreram-no no hospital, e a herança foi uma cicatriz pequena. Tornou-se executivo e depois controlador da mineradora canadense TVX Gold. Foram duas décadas no ouro, concentrado no exterior. Eike afirma que, ao sair do Canadá em 2000, seu primeiro US$ 1 bilhão tilintou. Ele se despediu do ouro e redescobriu o Brasil.

Aqui, disseminou-se no mercado um rumor que a Folha ouviu de concorrentes de Eike abrigados no anonimato: na década de 1980 e na expansão do grupo X, o pai o teria favorecido. Antes, com informações sigilosas sobre o mapa mineral. Hoje, como integrante dos conselhos das empresas.

Inexiste comprovação da primeira suspeita. Em relação à influência atual de Eliezer, quanto mais se aproxima do coração do negócio, evidencia-se que Eike dá as cartas.
Executivos revelam que, na origem, Eliezer opôs-se à formação da petrolífera OGX e da recém-lançada OSX, que terá estaleiro em Santa Catarina.

Eike se julga injustiçado: "Esse negócio que falam que meu pai me mostrou o mapa da mina. Que o meu pai é aquela pessoa brilhante, um oráculo do saber, e eu sou... É difícil". Nada que o impeça de pensar que Eliezer "fez coisas extraordinárias pelo Brasil" e de elegê-lo como ídolo.

O pai, homem de Estado, diz que o filho é vocacionado para a empresa e sempre quis superá-lo. E se sente feliz em saber que Eike conseguiu. Na privatização da Vale, em 1997, Eike ambicionou um naco. O pai demoveu-o, registra o filho, alegando que pegaria mal por ser parente de quem é. Agora, o acionista majoritário da mineradora MMX sonha controlar a Vale, a gigante de mais de R$ 200 bilhões.

Um conselheiro de Eike sustenta que o projeto empresarial é deter o timão da Vale. Participação partilhada não faria sentido, pois não promoveria a sinergia com seus negócios de mineração, logística (portos), energia e petróleo.

Medindo as palavras, Eike concede: "Se Steve Jobs falecer, eu vendo as minhas ações da Apple. Há empresas, negócios em que são poucos os criadores da riqueza". Traduzindo: uma fatia da Vale, mesmo que menos de 10%, só faria sentido se ele pudesse fermentar o bolo inteiro.

Enfim, explicita: "Só interessa se for em posição de poder direcionar a criação de riqueza. Você tem que poder decidir como será tocada a companhia". Frustrou-se a primeira ofensiva, que a Folha revelou, pela parte do Bradesco. E aumentou o atrito com o presidente da Vale, Roger Agnelli, indicado pelo banco.

Ao evocar sua incursão pelo ouro no Amapá nos anos 1980, Eike disse que o Bradesco financiou parte da operação. "O curioso é que o banqueiro que ajudou a gente a abrir o capital... adivinha quem era?". Seria, na verdade, executivo: Agnelli. Rindo animadamente, Eike concluiu, em inglês: "Jesus Christ!". Vale e Agnelli não quiseram comentar.

Na EBX, desconfiou-se de que o informante sobre as tratativas com o Bradesco a respeito da Vale tenha sido o banqueiro André Esteves. Eike mostrou ao repórter um torpedo que acabara de receber do dono do BTG Pactual. O banqueiro escreveu: há "inveja dos outros"; "missões impossíveis são certos companheiros de viagem"; "o convívio com pessoas como você alimentam minha vontade de fazer"; "te admiro muito, cara".

Procurado, Esteves não se pronunciou acerca da mensagem. "Brigar para quê?", pondera Eike. "André é um cara com cabeça diferenciada, fora da curva. Talvez tenha que medir a ambição um pouquinho."

Outra hipótese de ingresso na Vale é assumir a participação de fundos de pensão de estatais. Irritado com demissões na mineradora, o presidente Lula dera sinal verde a Eike para abordar o Bradesco. Foi no governo Lula, notadamente de 2006 a 2008, quando se lançou na Bolsa, que Eike prolificou seus reais.

Em 2006, doou como pessoa física R$ 4,38 milhões para candidatos apoiadores do governo, incluindo R$ 1 milhão para o próprio Lula e a mesma quantia para Roseana Sarney. O PSDB levou R$ 1 milhão.

Eike jura que sufragou Lula em 2002 e 2006. "Votei numa posição de achar que a gente tinha que exorcizar a esquerda. Estava na hora de chamar a esquerda e ver no que dava", conta. No choque com o governo Evo Morales, que em 2006 barrou a construção de uma siderúrgica na Bolívia, Eike contratou - ele diz - como consultor o ex-ministro José Dirceu. Em Nova York, no mês passado, descobriu nova semelhança com Lula, além do que considera ser uma identidade marcante sua, o nacionalismo: ambos são de escorpião.

Investiu R$ 1 milhão como pessoa física, sem recurso a renúncia fiscal, no filme "Lula, o Filho do Brasil". Hábil como o pai, que conviveu com governantes diversos, elogia Dilma Rousseff, José Serra e Aécio Neves. Aplaude a política do Planalto para o pré-sal. Ressalta que quase todos os seus investimentos se restringem ao país - no entanto vendeu a maior parte da mineradora MMX em 2008 para a Anglo American. Marqueteia: "Com a autopista que Fernando Henrique e Lula deixaram para a gente correr, deixa meu Porsche andar. Faremos bonito".

Estacionado na sala de casa, ele tem uma McLaren esportiva, motor Mercedes que acelera a 334 km/h e com a qual passeia à noite. Mora no Jardim Botânico, na mesma rua da ex-mulher, Luma de Oliveira, e dos filhos adolescentes deles, Thor e Olin. Dedica aos dois atenção e carinho intensos.

Conhecido por décadas como "o filho de Eliezer Batista", virou "o marido da Luma" ao casar com a modelo em 91. Unido na igreja à socialite Patrícia Leal, abandonou-a dias antes da festa de casamento para ficar com Luma, que conhecera havia pouco. O Vaticano anulou o matrimônio.

Na Sapucaí, Luma desfilou de coleira com o nome de Eike. Para evitar que ela voltasse a posar nua, o marido dispôs-se a cobrir o cachê da "Playboy". Diante da negativa, passou a abastecê-la com chocolates, a fim de engordá-la, diminuir a autoestima e mudar a decisão. Novas fotos só foram feitas após a separação.

Ao se divorciar, em 2004, transformou-se na persona Eike Batista, o magnata. "Isso foi consciente. Percebi que, com os meus filhos, eu tinha que ter uma identidade. Que negócio é esse? O Thor dizer que o pai é o ex-marido da Luma de Oliveira? Aí tocou a vaidade."

Eike se dá bem com a ex e namora a advogada Flávia Sampaio, 23 anos mais jovem. Gostaria de ser pai novamente. Faz tratamento a laser contra manchas no rosto, submeteu-se a plástica para retirar gordura sob os olhos e se prepara para o quarto implante capilar.

Em 2007, Eliezer Batista disse à Folha que a união de seu filho com Luma fora um erro. Em voto de confiança no amor, o pai de Eike voltou a se casar discretamente semanas atrás, em cartório do Rio. O filho só tomou conhecimento dias depois. Recebeu a novidade com bom humor.

LEMA NOS NEGÓCIOS
Ir aonde ninguém vai

DICA DE GESTÃO
Esse negócio de que o olho do dono engorda o boi. É isso aí

QUALIDADE DE EMPRESÁRIO
Enxergar algo que o cara que está me vendendo não enxergou. Ele não sabe transformar aquilo no que eu vou transformar

PARA PROSPERAR
Não se case cedo; vá para áreas de fronteiras

MAIS RICO DO MUNDO
Vai ser consequência do que eu já montei

segunda-feira, outubro 05, 2009

O caso Polanski

Ronald Sokol*, no International Herald Tribune

A perseguição de Roman Polanski por um crime sexual cometido na Califórnia há 31 anos causou grande comoção tanto entre seus simpatizantes quanto entre aqueles que sentem que ele é um fugitivo da justiça que merece ser enviado de volta para a Califórnia e preso.

Os fatos não estão em questão. Polanski foi condenado em 1978 por um tribunal de Los Angeles pelo crime de fazer sexo com uma menor. Apesar de a vítima tê-lo perdoado e dito que ela não quer que ele vá para a prisão, apenas a visão dela não é suficiente para terminar com o inquérito.

Um crime é uma ofensa não somente contra uma vítima, mas também contra o Estado. É uma violação da ordem social e um distúrbio à harmonia social que o Estado se esforça para atingir. Depois de sua sentença, Polanski deixou o país em vez de enfrentar a prisão. Ele está foragido da Justiça há 31 anos.

Apesar da certeza da culpa e da gravidade do crime, a perseguição tardia por parte do promotor é ao mesmo tempo legal e moralmente problemática. Um advogado da promotoria em Los Angeles está tentando extraditá-lo da Suíça baseado num tratado entre a Suíça e os Estados Unidos.

Um tratado de extradição é simplesmente um acordo escrito entre dois países segundo o qual cada um concorda em entregar ao outro pessoas procuradas por crimes específicos. Isso vale para a maior parte dos crimes. É uma prática comum que um país não extradite seus próprios cidadãos. Por esse motivo a França não concordaria em extraditar Polanski, se fosse requisitada a fazê-lo, porque ele é um cidadão francês, mas como ele não tem cidadania suíça, e foi preso em Zurique, essa exceção não se aplica.

Nos Estados Unidos, um promotor público tem total liberdade para processar alguém ou deixar de fazê-lo. Nem o tribunal, a vítima ou qualquer outra pessoa pode forçar uma acusação.

A realidade é que mais crimes são cometidos do que é possível processá-los. O promotor precisa exercitar seu julgamento para saber como usar melhor o seu tempo, o tempo de sua equipe, avaliar a importância da ofensa, o perigo apresentado à comunidade, a suficiência de provas, a probabilidade de uma condenação, os gastos envolvidos e outras considerações. Esses são fatores sobre os quais o promotor de Los Angeles deveria ter pensado quando preparou os documentos de extradição.

Porém duas grandes falhas colocam dúvidas sobre a legitimidade do pedido de extradição de Polanski. A primeira diz respeito aos próprios objetivos da lei criminal. Estes normalmente são descritos como vingança, prevenção, punição e reabilitação. A vingança é amplamente reconhecida como algo ilegítimo. No caso de Polanski, nenhum objetivo legítimo parece aplicável.

Como ele não cometeu nenhum outro crime, pelo menos que nós saibamos, nas três décadas em que viveu na França e na Suíça, o objetivo de prevenir que ele não cometa mais nenhum crime não tem efeito.

Nem os de punição e reabilitação parecem aplicáveis. A punição, assim como a reabilitação, deve ser salutar, não vingativa. O propósito de ambos é permitir ao prisioneiro retornar à sociedade e funcionar num contexto social sem cometer mais crimes. Como Polanski tem vivido em Paris durante três décadas como um cidadão aparentemente seguidor das leis, esses objetivos não se aplicam. O que parece restar é a vingança.

A segunda falha é igualmente problemática. O pedido de extradição parece ser o primeiro feito desde 1978, quando Polanski se tornou um fugitivo. Apesar de o escritório da promotoria do distrito de Los Angeles dizer que buscou informações e monitorou suas viagens ao longo dos anos, não pediu sua extradição nenhuma vez.

Se Polanski tivesse se mantido incógnito e seu paradeiro fosse desconhecido, poderia haver um pouco de sentido para explicar o atraso de três décadas, mas ele é um dos diretores de cinema mais famosos do mundo. Ele não tem se escondido. Embora possa ter sido impossível extraditá-lo da França, ele poderia facilmente ter sido extraditado da Suíça há muito tempo.

Quando há um atraso de décadas por parte das autoridades da promotoria para prender e extraditar alguém e isso não pode ser explicado pronta e coerentemente, as ações do promotor parecem arbitrárias. A arbitrariedade é enfatizada pelo fato de que a vítima do crime não está motivando a perseguição.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos observou no caso Markovic versus Itália que "evitar o poder arbitrário" é o princípio fundamental por trás da maior parte da Convenção Europeia para os Direitos Humanos.

O mesmo princípio está implícito na Cláusula de Processo Justo da 5ª e da 14ª emendas da Constituição dos EUA. A ação governamental não deve ser arbitrária. Se for arbitrária, levanta uma forte suspeita de que o devido processo legal não foi respeitado. A decisão do promotor de Los Angeles de extraditar Polanski 30 anos depois do evento, sem uma explicação coerente para o atraso, deve ter parecido algo totalmente arbitrário para Polanski, assim como para observadores neutros.

É claro que há um valor social em desencorajar os criminosos de fugir da jurisdição. Há um valor também em ver que a Justiça é feita e em mostrar que ninguém está acima da lei. Mas esses valores podem erodir com o tempo se as circunstâncias que deram origem à necessidade de Justiça desapareceram.

Para alguns, a aplicação atrasada da lei parecerá arbitrária, um ritual de forma e não de substância. Quando o Estado ameaça a prisão, isso precisa ser visto como um ato justo. Se não, zomba da própria lei através de seu ato arbitrário de tentar cumpri-la.

* Ronald Sokol é advogado em Aix-en-Provence, França. Ele foi professor da Escola de Direito da Universidade de Virgínia e é autor de "Justice after Darwin".

Publicado no UOL Internacional.