segunda-feira, dezembro 04, 2006

Verdade incontestável do presidencialismo

Helio Fernandes

Confederação, avanço, Federação, retrocesso. Agora a todo momento e por qualquer motivo falam nos "ideais republicanos", pretendem mudanças "estruturais", dizem que é preciso modificar o "pacto federativo". O PMDB até mesmo para aderir ao governo e se livrar do constrangimento garante: "Estamos nessa coalizão para modificar a Federação". Mudar a Federação com o "disque Quércia para a corrupção", Sarney, Renan, Temer, Jader, Newton Cardoso e outros só não é de morrer de rir porque está mais para tragédia grega.

Em 1776, as 9 províncias (não tinham nome, não eram nem colônias) dominadas pela Inglaterra se rebelaram. Lutaram 5 anos, derrotaram a maior potência da época. Ficaram livres em 1781. Mas a guerra mais difícil foi a dos 5 anos seguintes, de 1781 a 1786, entre ESTADUALISTAS e FEDERALISTAS. Precisavam estabelecer os alicerces do país que se chamaria CONFEDERAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE.

Mas a divisão era total e praticamente sem superioridade de qualquer lado. Depois de batalhas com muito sangue, surgia a luta sem sangue mas com enorme convicção. Os ESTADUALISTAS defendiam a independência dos estados, que então já eram 13. Os FEDERALISTAS acreditavam que, com excessiva liberdade, o país não resistiria, viria o caos.

Sabiamente ficaram no meio termo, nem supremacia do ESTADUALISMO nem do FEDERALISMO. Concordaram em redigir e aprovar uma Constituição Federal simples mas importante. Os estados se obrigavam a cumprir, seguir e respeitar o que estivesse ali, e mais nada. Todo o resto, incluindo economia, administração, finanças, impostos, arrecadação, direitos e deveres, da competência exclusiva dos estados.

Isso foi o fator mais notável do equilíbrio do país, inveja para nós, pois Brasil e EUA são os dois mais importantes presidencialismos do mundo ocidental. E esse equilíbrio se refletiu em todos os setores, sem qualquer exceção. Até mesmo na terrível Guerra da Secessão, de 1860 a 1864 (começando antes da posse de Lincoln e terminando exatamente quando acabava seu primeiro mandato), a Constituição Federal ficou intocada.

O episódio mais notável ocorreu em plena guerra civil, em 1862. Fervoroso defensor dos direitos individuais e coletivos, mas pressionado pelo pavor do "separatismo", Lincoln foi obrigado a suspender o habeas-corpus. A Suprema Corte Federal não aceitou a decisão presidencial, manteve o habeas-corpus. Tomando conhecimento do que decidira a Suprema Corte, na Casa Branca, Lincoln se ajoelhou, e disse emocionado: "Obrigado, meu Deus". Exemplo memorável do funcionamento dos Poderes.

Os exemplos são sem conta, alguns precisam ser citados para mostrar as vantagens da Confederação. Por causa dessa Confederação, os EUA têm apenas uma Constituição com 230 anos. E 36 emendas que são citadas de cor e salteado pelo mundo inteiro. Em 1920, foi aprovada a emenda número 19, criando a "lei seca". 13 anos depois, foi sancionada, já pelo estadista Franklin Delano Roosevelt, a emenda número 20, que acabava com essa "lei seca". Em 13 anos, nenhuma outra emenda.

Depois desse mesmo Roosevelt ser eleito em 1932, 1936, 1940 e 1944, os Partidos Republicano e Democrata decidiram acabar com as reeleições ilimitadas. Aprovaram a emenda número 26, que permitia e permite só uma eleição e uma reeleição. Mas o próprio Congresso reconheceu que não tinha Poderes para legislar para os estados, que ficaram com o direito de fixar o mandato dos governadores. (Bill Clinton foi governador do Arkansas 6 vezes, com mandatos de 2 anos cada. Mas na presidência da República só pôde cumprir 2 mandatos de 4 anos).

A pena de morte é outra opção estadual. Ela já existiu em 34 estados, hoje existe em apenas 11. A Suprema Corte Federal pode rever decisões das Supremas Cortes Estaduais, mas o governador, na última instância, está acima dos juízes federais. O governador pode modificar o decidido pelo mais alto tribunal do país, aceitar a pena de morte ou transformá-la em prisão perpétua.

PS - Se fosse examinar mais a fundo, não poderia parar. Amanhã veremos a fragilidade da Federação, a partir de 1891, e das dúvidas de Rui Barbosa, que redigiu o anteprojeto da Constituição e foi seu relator na constituinte.

Publicado na Tribuna da Imprensa.