segunda-feira, fevereiro 18, 2008

'Bush é horrível demais para ser esquecido'

O escritor americano Philip Roth falou à Spiegel Online sobre envelhecimento, sobre por que George W. Bush é o pior presidente americano da história, e revelou por que nunca dá o seu número de celular a ninguém.

Philip Roth, que vai completar 75 anos em março, é um dos autores norte-americanos vivos mais aclamados pela crítica. Seu livro "O Complexo de Portnoy", de 1969, levou-o à fama, e ele deu continuidade ao sucesso, ganhando o prêmio Pulitzer com o livro "Pastoral Americana", de 1997.

Muitos de seus livros têm o alter-ego ficcional de Roth, Nathan Zuckerman, como personagem principal. Zuckerman aparece novamente no último trabalho de Roth, "Exit Ghost", em que o personagem volta a Nova York depois de muitos anos de exílio no interior da Nova Inglaterra.

A Spiegel conversou com Roth sobre "Exit Ghost", as eleições americanas e os prazeres da vida no campo.

Spiegel - Senhor Roth, quantas vezes você tentou matar Nathan Zuckerman, o herói e narrador de muitos de seus livros?
Philip Roth - (risos) Eu não sei - você sabe?

Spiegel - Três vezes. Uma em "Deception"...
Roth - Ah, é verdade, eu tinha me esquecido dessa.

Spiegel - E depois novamente em "The Counterlife", quando ele tinha 44 anos. Agora, em seu novo livro "Exit Ghost", ele aparece bem vivo, aos 71 anos de idade, mas você o mata novamente.
Roth - Não o matei. Só mandei ele para casa.

Spiegel - "Foi embora para sempre", foi o que o senhor escreveu. Faz alguma diferença?
Roth - Com certeza.

Spiegel - Nathan Zuckerman é um escritor que costumava viver sozinho no interior - um pouco parecido com o escritor Philip Roth - mas depois volta para Nova York. Ele está tentando escapar da idade avançada, tentando se tornar forte novamente?
Roth - Ah, talvez ele tente, mas acho que este último livro é de fato sobre a vida que o está deixando. Ele não tem mais o espírito de luta dentro de si. Por alguns momentos, há uma explosão de luta e virilidade, mas ele acaba fugindo.

Spiegel - Será que esse vai ser o fim de Zuckerman?
Roth - Sim.

Spiegel - Por que o senhor quis eliminar o seu personagem mais famoso?
Roth - Nem eu mesmo percebi que tinha o desejo de chegar a um final. Se me lembro bem, isso simplesmente aconteceu. Quando comecei o livro, não sei se pensei que seria o último.

Spiegel - Você não tinha um plano quando começou o livro?
Roth - Acho que não. A história simplesmente levou àquele final. E, da forma que ela se desenrolou, acabou trazendo um acabamento e uma conclusão. Mas, no começo... tudo o que havia era a idéia da sua volta. Você conhece a história de Rip Van Winkle? Rip Van Winkle ficou adormecido por 20 anos, e então acordou. Isso foi o que aconteceu com Zuckerman ao voltar para a cidade. Eu tive de descobrir o que ele iria descobrir - o que ele iria ver, como as pessoas seriam, principalmente os jovens. Foi uma história de descobertas, como é a maioria dos meus livros.

Spiegel - E o que ele descobriu foram telefones celulares.
Roth - Ele ainda vive na era da máquina de escrever. E então ele vê as pessoas falando sozinhas na rua.

Spiegel - O pano de fundo do livro são as eleições de 2004. Por que isso foi importante para você?
Roth - A decepção foi muito grande, principalmente entre os jovens. Pareceu para mim um momento histórico forte. Imaginei que fosse trazer um colorido forte, um bom pano de fundo.

Spiegel - Em outras palavras, você escolheu o pano de fundo por motivos puramente técnicos?
Roth - Sempre tento fazer com que haja algo acontecendo no livro além da história principal. E senti que isso me daria uma boa oportunidade para fazer com que todos se comportassem e agissem de forma a mostrar suas emoções por causa da eleição. Permitiu que eu trouxesse o jovem casal à vida e também salientou a diferença entre eles e Zuckerman.

Spiegel - Ele é cínico e o casal é furioso.
Roth - É isso, apesar de que eu não diria que ele é cínico, mas sim que está acabado. Aquilo tudo acabou para ele.

Spiegel - Você ainda se importa com política? Está acompanhando as eleições de 2008?
Roth - Infelizmente sim. Eu parei de acompanhar até uns dois anos atrás - até lá, a política não era real. Então assisti os primeiros debates de New Hampshire, e os republicanos foram tão inacreditavelmente impossíveis. Assisti o debate dos democratas e me interessei por Obama. Acho que vou votar nele.

Spiegel - O que fez com que você se interessasse por Obama?
Roth - Primeiro o fato de ele ser negro. Sinto que a questão da raça nesse país é mais importante do que a questão feminista. Acho que a importância para os negros será enorme. Ele é um homem atraente, inteligente, e bastante articulado. Sua posição no Partido Democrata é mais ou menos OK para mim. E acho que vai ser importante para os negros americanos que ele seja presidente.

Spiegel - Poderia mudar a sociedade, não é verdade?
Roth - Sim, poderia. Isso iria dizer algo sobre esse país, e seria algo maravilhoso. Não sei se vai acontecer. Eu raramente voto em alguém que vença. Pode ser o beijo da morte se você escrever na sua revista que eu vou votar em Obama. Ele estará acabado!

Spiegel - A discussão sobre Obama nos fez lembrar de seu personagem Coleman Silk, o herói de "A Marca Humana", que é um negro com a pele muito clara, e que inventa uma biografia judia. O ponto a que queremos chegar é a questão da identificação, sobre o comportamento certo e o errado. Será que Obama é negro o suficiente?
Roth - Sei que essa discussão pode ir adiante, mas acho que ela vai desaparecer se ele for nomeado. A realidade dessa corrida vai deixar isso de lado. De qualquer forma, qualquer um que seja metade branco, metade negro, é considerado negro. Basta uma gota de sangue.

Spiegel - Que os brancos o considerem negro, tudo bem. Mas a questão é se os negros o consideram negro.
Roth - Eles irão considerá-lo à medida que as eleições seguirem em frente. Se ele conseguir a nomeação.

Spiegel - Você de fato acredita que Obama poderia mudar Washington ou mudar a política?
Roth - Tenho interesse simplesmente em ver como seria a presença dele no governo. Você sabe quem ele é, de onde vem, essa é a mudança. Também é assim com Hillary Clinton, mas a grande diferença está em quem é ela. E a respeito de toda a retórica sobre mudança, mudança, mudança - é pura semântica, não significa nada. Eles irão responder às situações conforme elas aparecerem.

Spiegel - Você se interessa pelos Clinton como um casal? Eles são figuras literárias?
Roth - Ah, esse é o lado telenovela. Eles são tremendamente agressivos, acho que eles são capazes de falar ou fazer qualquer coisa, mas não, eles não me interessam como um casal. Bill Clinton era interessante como presidente - eu não sei o que ele é agora. Acho que eles podem estar exagerando ao tentar o jogo novamente, sendo agressivos, e as pessoas vão se irritar com isso.

Spiegel - O que vai ficar do presidente atual, George W. Bush? Será que ele vai ser esquecido depois de sair do governo?
Roth - Não, ele foi horrível demais para ser esquecido. Haverá muita coisa escrita sobre isso. E há muito a ser escrito sobre a guerra. Há muito para ser escrito sobre o que ele fez com o reaganismo, uma vez que ele foi muito mais longe que Reagan. Então ele não será esquecido. Já disseram que ele foi o pior presidente que os Estados Unidos já tiveram. Na minha opinião, isso é verdade.

Spiegel - Por quê?
Roth - Bem, principalmente por causa da guerra, da decepção com a entrada na guerra. O cinismo absoluto que envolveu a decepção. O custo da guerra, o Tesouro e as vidas dos americanos. Foi hediondo. Não há nada parecido com isso. Em segundo lugar, por causa de sua atitude em relação ao aquecimento global, que é uma crise mundial; e eles foram extremamente indiferentes, até mesmo hostis, em relação a qualquer tentativa de enfrentar o problema. E mais isso, mais aquilo, mais isso, mais aquilo... Ou seja, ele fez um grande estrago.

Spiegel - Já que o seu livro se passa na semana das eleições de 2004, você saberia explicar por que os americanos votaram em Bush pela segunda vez?
Roth - Acho que foi pelo fato de estar em guerra e não querer mudar, além de estupidez política. Por que alguém elege uma determinada pessoa? Pensei bastante sobre John Kerry quando ele começou a campanha, mas ele não conseguia competir com Bush. Os democratas não são brutos, o que é muito ruim, porque os republicanos são brutos. E os brutos vencem.

Spiegel - "Exit Ghost" é uma indicação de cena encontrada nas peças de Shakespeare.
Roth - Ela aparece em três peças. Encontrei-a em "Macbeth". Fui assistir uma produção de Macbeth, então resolvi reler a peça. Li a indicação de cena, e ela simplesmente saltou aos meus olhos. Ela também aparece em Hamlet. E também quando Júlio César aparece para Brutus.

Spiegel - Uma das histórias do livro é a do jovem escritor Richard Kliman, que tenta escrever uma biografia do romancista já falecido E.I. Lonoff. Zuckerman, que idolatrava Lonoff, detesta a idéia. Você também tem medo de uma biografia?
Roth - Eu tenho um biógrafo. Ele já fez umas dez entrevistas comigo. Mas ainda não me mostrou nada. Eu não quero ver. Não quero me envolver com isso, na realidade.

Spiegel - Você tem medo de ver a biografia?
Roth - Bem, tenho medo de duas coisas. Do que ele pode ter entendido mal, e do que ele pode ter entendido bem.

Spiegel - Você tem medo do constrangimento? Thomas Mann teve medo de destruir sua reputação por ter se apaixonado por uma pessoa mais jovem, seu herói Nathan Zuckerman, que sofre tanto de impotência quanto de incontinência, está sempre com medo de ficar constrangido.
Roth - Não acho que as regras que existiam no mundo de Mann ainda sejam válidas hoje em dia. Na prática não há nada capaz de destruir a reputação hoje. Você é obrigado alguma bestialidade na vitrine da Bloomingdale's para deixar alguma marca em sua reputação. Ainda assim, a jovem Jamie é inacessível para Zuckerman não somente por causa da diferença de idade, mas por causa dos problemas físicos dele.

Spiegel - Ela sabe disso?
Roth - Ele sabe. E ele também sabe que seu desejo é todo baseado na impossibilidade. Mas o pathos de Zuckerman é que mesmo assim ele se detém, não consegue suprimir seu desejo. Isso faz com que a paixão seja ainda mais patética.

Spiegel - Ele é capaz de esquecer o desejo por uma hora que seja, ou mesmo por um dia?
Roth - Ele conseguiu esquecer durante anos.

Spiegel - Até que conheceu Jamie.
Roth - E foi então que voltou para Nova York. Contanto que não dirigisse e não se mexesse, ficaria bem.

Spiegel - Você tem vivido isolado em sua casa em Connecticut há anos. Com que freqüência você vem a Nova York?

Roth - Agora mais freqüentemente. Eu costumava viver no interior dois terços do tempo, e agora acho que ficarei por aqui dois terços do tempo.

Spiegel - E por que isso?
Roth - Bem, eu fiquei por lá desde 1972 até agora. É um lugar bastante remoto, e muito bonito. Tem um silêncio mortal. Não se vê ninguém. E o clima é muito severo, os invernos são rigorosos. Eu gostava do jeito que conseguia escrever por lá. Não tinha nenhuma distração. Nem mesmo a distração da companhia. Isso significa que eu escrevia o dia todo, e fazia alguma outra coisa à noite. Normalmente eu não saía de casa. Eu lia alguma coisa ou assistia uma partida de beisebol.

Spiegel - O que você lia?
Roth - Os velhos mestres. Eu reli Conrad e Turgenev e Hemingway e Faulkner - o que é muito prazeroso. Eu raramente leio ficção contemporânea, mas leio livros de não-ficção.

Spiegel - E, assim como Zuckerman, você não tem Internet lá?
Roth - Não tenho.

Spiegel - Você também não tem Internet aqui em Nova York?
Roth - Agora eu tenho. Há alguns bons sites de livros usados. Eu compro toneladas de livros pela Internet. Mas não conte a ninguém.

Spiegel - Você tem e-mail mas não usa?
Roth - Eu uso o e-mail para me comunicar só com uma pessoa, porque não quero... não quero ser incomodado.

Spiegel - Posso perguntar quem é essa pessoa?
Roth - É uma pessoa. Eu também preciso me divertir.

Spiegel - Voltando a falar sobre a vida no campo...
Roth - ... a melhor coisa lá é que quando estou trabalhando em um livro, ele não me abandona, porque mesmo que eu leia outra coisa à noite, a leitura não me distrai do que eu estava pensando. Não é como quando a gente sai para outro lugar, o que necessariamente quebra a conexão. E se você trabalhar diariamente dessa forma, suas páginas vão se empilhando.

Spiegel - Você não achava que estava ficando de fora da vida? Você vivia apenas para os livros lá.
Roth - É, isso é uma realidade, você acaba sacrificando alguma coisa quando vive daquele jeito. Mas, sabe, há mais ou menos três anos eu saí de casa para ir para o meu escritório, que fica a uns 50 metros de distância. E quando vi, havia um pequeno animal parado ali na neve, uma criatura horrível, um gambá. Eles são muito feios, com rabos que parecem de rato. Eu avancei na direção dele, que se escondeu em um buraco na neve. Eu me agachei e olhei no buraco, e vi que lá dentro tinha cinco ou seis gravetos. Pensei, então é assim que você vive. É tudo o que realmente precisa. Percebi que eu podia tirar uma lição daquilo. Eu tinha muitas coisas - você não precisa de televisão, geladeira, facas e garfos.

Spiegel - Você está nos contando uma parábola.
Roth - Com certeza. Acho que isso me disse algo sobre a forma que eu estava vivendo lá. Quando saí do escritório à noite, lá estava o gambá novamente comendo neve, e eu disse a ele: "Como vai o livro?". Isso é uma piada. Um amigo meu colocou o animal lá em cima para me mostrar com quem eu me parecia, ou seja, uma figura desprezível vivendo com sete gravetos, então decidi que eu não ia viver dessa forma. Então vim para Nova York, encontrei um lugar para morar no Upper West Side, e agora só volto para lá quando o tempo está bom.

Spiegel - E a cidade mudou o seu jeito de escrever? Você se distrai?
Roth - Não, deixei meus livros em Connecticut, e continuo com meu ritmo, tenho até mesmo a mesma parafernália, a mesma escrivaninha, a mesma cadeira, o mesmo aparador, eu trabalho de pé em uma escrivaninha. Tenho a mesmíssima configuração, comprei um conjunto novo. E é um apartamento silencioso. Posso desligar o telefone e pegar os recados no fim do dia. Há mais distrações, mas eu estou no clima delas. Aqui eu vou ao cinema, vejo gente. Vez ou outra encontro gente à noite. Ando pelas ruas. E aqui existem pessoas nas ruas!

Spiegel - Com telefones celulares.
Roth - Com celulares. Eu mesmo tenho um.

Spiegel - Tem?
Roth - Sim.

Spiegel - Mas ninguém tem o número.
Roth - Ninguém precisa saber meu telefone celular. Quero manter meu mito vivo, o mito de Rip Van Winkle.

Spiegel - Será que tudo isso mostra que, chegando em uma certa idade, você se permite mais liberdade?
Roth - É um pouco mais relaxado. Eu trabalho a maior parte do dia. Em um determinado eu paro para me exercitar, vou a uma piscina no Clube Atlético de Nova York. Quatro vezes por semana. É maravilhoso.

Spiegel - Isso significa que talvez o ato de escrever tenha se tornado mais fácil depois de tantos livros?
Roth - É mais ou menos a mesma coisa. Não ficou mais fácil, isso é certo - nunca ficou mais fácil. Mas também não sei se ficou mais difícil. Sempre foi uma tarefa, e continua sendo. Sempre tenho medo de que, ao terminar um livro, não serei capaz de escrever outro. Sempre foi assim desde o começo, e continua sendo. O que é que eu escrevo afinal? O que há para ser escrito? E até hoje tenho essa sensação. Agora tenho um livro saindo em outubro...

Spiegel -... Já está terminado?
Roth - Sim, está terminado. Não é sobre idade, mas sobre estudantes durante a época da Guerra da Coréia, o título será "Indignation". E então agora preciso começar outro livro. É interminável. Só há uma saída para isso, você sabe...

Spiegel - Mas algumas coisas devem certamente ser diferentes. Você poderia se sentir pressionado para escrever um livro que finalmente o levasse a um mais do que merecido Prêmio Nobel. Ou poderia ganhar mais e mais confiança.
Roth - Bem, não acho que seja assim. Eu era confiante no começo da minha carreira, mas toda vez que você começa um projeto - falo por mim mesmo - começa como um amador, porque então você deixa de ser o profissional que já escreveu 25, 26 ou 27 livros. É alguém que nunca escreveu o livro que está prestes a escrever. Então você é praticamente um amador em relação àquele livro. E você sente toda a insegurança de um amador, e a primeira versão, esses seis ou oito primeiros meses, são dolorosamente difíceis. Algumas vezes pode ficar difícil depois também, mas o começo é necessariamente difícil.

Spiegel - Nenhum livro é escrito sem esforço?
Roth - É muito raro - vez ou outra você ganha um presente com um livro, é inexplicável. Talvez eu tenha escrito dois ou três assim na vida.

Spiegel - Quais são?
Roth - Bem, esse que eu acabei de terminar foi uma espécie de presente. Eu tive uma idéia, comecei a escrever, e ela começou a se desenrolar. "Sabbath's Theater" também foi assim. Mas isso raramente acontece. Normalmente é mais bagunçado, mais sangrento e mais desagradável.

Spiegel - Você consegue sentir prazer ao escrever?
Roth - Sim, consigo gostar quando estou mais próximo do fim - uma vez que fica claro para mim o que estou fazendo, uma vez que tenho uma primeira ou segunda versões, então há um prazer real. Então você tem um chão sob os seus pés e sabe o que está fazendo, então sua habilidade se faz perceber. Você nota a sua habilidade, como qualquer escritor, quando está fazendo a terceira ou quarta versões. Então você consegue fazer o que é capaz de fazer. Mas a primeira versão é a pior, você se sente tão ruim quanto crê o seu pior crítico.

Spiegel - Você estabelece um número mínimo de páginas por dia?
Roth - Gosto de escrever pelo menos uma página por dia, me sinto horrível quando não tenho uma página. Posso às vezes produzir oito, dez páginas por dia e outras vezes mal escrever um parágrafo. Mas é boa a sensação de escrever uma página, porque daí você sabe que uma página por dia soma 365 páginas em um ano.

Spiegel - E no final, há uma sensação de preenchimento, de orgulho talvez?
Roth - Tudo muda durante o processo. Enquanto escrevo, há apenas alguns momentos em que tudo parece OK e promissor. Acho que o humor se torna muito volátil enquanto se está escrevendo. Você vai do alto para baixo e de baixo para o alto, uma hora tem esperança, na outra o texto é horrível e não presta e assim por diante. Mas, é claro, há prazer. Não continuaria escrevendo se não gostasse. O prazer está em completar o trabalho, porque quando você chega à terceira ou quarta versões, assim como no começo você não consegue fazer nada de certo, no final não há nada que você possa fazer de errado. E isso é maravilhoso, você se sente muito poderoso e forte, você perde a dúvida.

Spiegel - Você continua usando máquina de escrever?
Roth - Agora eu uso computador. Sou uma completa farsa. De fato, sou o cara mais high-tech que você conhece.

Spiegel - Você é o único escritor americano vivo com uma edição de seu trabalho na Biblioteca da América. O que acha disso?
Roth - Tenho muito orgulho disso.

Spiegel - O que resta para almejar?
Roth - Saúde, talvez. Felicidade?

Spiegel - O Prêmio Nobel?
Roth - (sorri) Ah, o Prêmio Nobel, eu não penso sobre isso.

Spiegel - Durante todos esses anos com seu herói Nathan Zuckerman, você parece ter gostado de falar consigo mesmo, brincando com um alter-ego, com o sonho e a realidade, com livros dentro de livros. Daí veio o tema da idade...
Roth - ... é, e eu não sabia nada sobre isso, porque você não sabe nada até chegar lá, e até que seus amigos também cheguem. Você começa a ver a devastação do tempo, as perdas e o sofrimento. Então isso se tornou uma temática, é o tema desse livro, de "Dying Animal", e tema de "Everyman".

Spiegel - Você vai sentir falta de Nathan Zuckerman?
Roth - Acho que não. Mas nunca se sabe. Posso entrar em desespero. Mas agora ele está no Céu de Zuckerman, o que na verdade soa como título de um livro. Ou então "Zuckerman no Inferno"?

Spiegel - Ele não é um homem muito bom - é egocêntrico, até mesmo narcisista. Você gosta dele?
Roth - Você não vai gostar de ouvir isso, mas não sou amigo dos personagens dos meus livros.

Spiegel - Então os leitores podem amar ou odiar o personagem e para você é tudo frio e técnico?
Roth - É uma relação funcional. Tudo se resume a: será que eu consigo fazer com que esse personagem seja interessante o suficiente para carregar o livro em suas costas? Será que ele consegue salvar o livro?

Spiegel - Senhor Roth, muito obrigado pela entrevista.

Publicado no UOL Mídia Global.