terça-feira, setembro 16, 2008

Comunicado importante: TV mata!

Pilar Fazito, no Digestivo Cultural

No início da década de 1990, quando Madonna ainda era uma bad girl, o fotógrafo Oliviero Toscani fazia a Benetton se tornar uma grife mundialmente conhecida por suas polêmicas e marcantes publicidades. Nessa época, ele era tão popular quanto a pop star e chegou a dar entrevistas tão escandalizantes quanto o seu trabalho. Numa delas, disse que não tinha TV em casa.

O mundo ficou horrorizado e houve quem o julgasse um tirano, por não permitir que os filhos vissem o que se passava no mundo, através da telinha. Há mais de quinze anos, não ter uma TV em casa era como se o cara fizesse parte de uma seita norte-americana em que as pessoas se isolam do resto do mundo e as mulheres deixam os cabelos crescerem até os joelhos, como as unhas do Zé do Caixão.

Hoje a situação mudou um pouco. Sei de uma mulher que não assiste à TV e talvez seja a pessoa mais antenada que conheço. Ela sabe, de antemão, de tudo o que se passa no mundo e à sua volta. Desfez da TV, cancelou assinatura de jornais e revistas e vive plugada na internet. Isso é possível porque seu trabalho exige que ela deixe o notebook ligado o tempo todo ao seu lado.

Entre reuniões por Skype, arquivos e documentos enviados por e-mail, ela acompanha sites de notícias que ela mesma escolhe. De qualquer parte do mundo. Ou seja, não há necessidade de se sujeitar a assistir àquilo que é previamente escolhido, editado, pasteurizado e embalado pelas redes de TV e, de quebra, também não precisa sofrer com a programação dominical.

Ainda assim, desfazer da TV é algo bizarro para uma sociedade em que o caixote eletrônico responde pelo maior número de vendas do setor eletrodoméstico no Brasil. Ainda mais agora que todo mundo quer trocar o trambolhão pelos modelitos de telas planas, cristal líqüido, LCD, digital e o escambau.

Lembro da primeira TV que meu pai comprou, no final da década de 1970. Com um orgulho tão grande quanto o tubo de transmissão do próprio aparelho, ele veio arrastando aquele móvel pesado, impressionando toda a família. Havia um disco preso ao aparelho e quando queríamos mudar de canal, nos levantávamos da poltrona, íamos até lá e girávamos aquela espécie de dial dentado, que fazia um barulho esquisito, como as antigas máquinas de escrever.

As brigas infantis pelos canais eram mais raras porque não havia muita variedade na programação, mas eram mais engraçadas porque tínhamos que nos exercitar entre o sofá e a TV: era um levanta-senta, muda de canal, "perdeu lugar", fica na frente para pirraçar; e tome chinelada.

Todo mundo ficou encantado com a TV. Já eu me encantei mesmo foi com a caixa de papelão enorme que a embalava, a ponto de querer morar dentro dela. Hoje as embalagens dos aparelhos de TV são tão finas que não cabem nem mesmo um cachorro. Não tem mais graça alguma.

Minha amiga antenada diz que TV rouba tempo da gente. Ela lê mais de cem livros por ano, freqüenta cinema uma vez por semana, trabalha de sol a sol, viaja, participa de almoços em família, faz ginástica e caminha diariamente e ainda faz faxina na casa. Se tivesse uma TV, seria dessas pessoas que vivem "sem tempo pra nada".

Começo a achar que ela está certa. Já percebi que quando chego cansada do trabalho e resolvo ver TV "pra relaxar", aí é que me sinto ainda mais cansada, o que comprova a teoria da minha amiga: "TV não relaxa, estressa". A gente fica zapeando o tempo todo em busca de algo que preste, resolve assistir a todos os telejornais, com a ilusão de que vai se tornar uma pessoa mais informada, passa por canais e programas toscos e depois não consegue dormir.

No dia seguinte, a gente se toca de que passou a noite em claro pensando que enquanto o Gilmar Mendes faz doce porque foi grampeado, a mulher Melancia tem uma bunda maior do que os silicones da Sheyla de Almeida e que nem a mulher Melancia, nem o Gilmar Mendes se importam com o infanticício indígena ou com a invasão da Raposa do Sol. E que, se depender deles, dos 7 kg de silicone da Sheyla e da audiência televisiva da MTV, a Amazônia vai continuar virando pasto e os ursos polares vão continuar se afogando no Ártico.

Os ursos polares... Novamente eles. Há uma semana que a extinção das bananas e dos ursos polares me rouba as noites de sono. Não que eu seja uma comedora compulsiva de bananas ou adestradora de ursos polares, mas ainda não consigo conceber o resto da minha existência sem os seres que ilustravam os recortes das minhas pesquisas escolares na infância.

Em meio a tanto lixo desinformativo, até que a gente acha coisa instigante. A Oprah ― vejam só onde minha letargia televisiva me levou! ― entrevistou um cineasta norte-americano que resolveu fazer um "experimento social". Munido de 100 mil dólares, patrocinado por um canal de TV dos Estados Unidos, o sujeito queria ver o que aconteceria se um sem-teto encontrasse essa quantia assim, dando sopa no meio do nada. Com o que o mendigo iria gastar? Será que esse dinheiro mudaria a vida dele etc.

O cineasta acompanhou o sem-teto antes, durante e depois da aparição da bufunfa televisivo-sociológica. Mais tarde, a cobaia também deu seu depoimento à Oprah. Resumo da ópera: o dinheiro durou pouco, bem pouco. O homem saiu distribuindo as notas para os amigos, comprou um carro para um deles e uma caminhonete cara para si mesmo, viajou em busca da família e tentou uma reconciliação com esposa e filhos. Não deu certo, então ele se casou com outra mulher, alugou uma casa e começou a ter que pagar contas e impostos pela primeira vez na vida.

Aquilo o aborrecia, e manter os bens e o padrão de vida que passou a ter de um dia para o outro foi ficando cada vez mais complicado. Hoje o sem-teto tem uma dívida muito maior do que tinha antes de o dinheiro aparecer, a mulher deu no pé e ele voltou para as ruas. Ah, sim, também se diz mais infeliz do que antes e atribui a tristeza ao fato de ter perdido as esperanças na humanidade. Parece que os amigos sumiram depois que ele voltou à pob reza e isso o desiludiu muito.

Mas então eu mudo o canal e o PSTU dá um recado "robinhoodiano" no programa eleitoral: os ricos têm que pagar as contas dos pobres. Para completar, a BBC mostra os desvalidos e esfomeados em Serra Leoa, enquanto o Luciano Huck pensa em mais alguma atração estúpida para a grade dominical. Não tem problema, depois ele dá uma casa para um pobre e fica tudo bem. Já a Rosana Jatobá diz que vai chover no nordeste, mas não diz se é água ou bebês defenestrados. Tanto faz, isso não interessa mesmo aos 50 mil micareteiros que incendeiam o Mineirão todo ano. Yurruuuu!!!

Agora, digam lá: dá para dormir com uma poluição dessas?

Parece que está tudo de perna para o ar. Nesse mundinho pós-Guerra Fria, ainda tem gente que acredita em bem x mal e nos heróis construídos pelo Galvão Bueno. O que não falta é brasileiro metendo pau na corrupção dos políticos, sem enxergar a própria lambança, como mostrou o CQC dia desses num teste de honestidade.

Este fim de crônica me faz constatar que a TV realmente provoca efeitos nocivos no ser humano. A gente se torna uma pessoa mais triste, pessimista ou fofoqueira.

Sei não. Num país como este, em que a gente acredita em tudo o que aparece na telinha, talvez fosse bom mesmo que os grampos no judiciário e no legislativo continuassem. Aliás, deveriam mesmo era divulgar na TV e fazer um grande reality show com essas escutas. Quem sabe assim a gente desiste de todo esse lodo nauseante, levanta do sofá, desliga a TV, vai ler, estudar, fazer algo que preste e, de repente, combater essa corrupção toda que assola o país, da nossa casa à mídia e à cúpula dos três poderes... Bons tempos aqueles em que as crianças ao menos podiam brincar com as embalagens de papelão dos aparelhos televisivos.

sábado, setembro 13, 2008

Na pista, Senna é mais que um nome famoso

Brad Spurgeon, do International Herald Tribune

Em 1994, quando tinha 10 anos, Bruno Senna havia disputado apenas uma corrida de kart, mas já era um piloto de fama mundial. Sua fama não tinha nada a ver com sua vitória naquela corrida. Tinha a ver com seu tio, Ayrton Senna, o mais famoso piloto de corridas de carro da época e tricampeão do mundo de Fórmula 1, que disse: "Se vocês acham que eu sou bom, esperem para ver meu sobrinho, Bruno".

Filho da irmã de Ayrton, Viviane, Bruno foi mais rápido que Ayrton no kart aos 8 anos, e seu futuro parecia claro. Mas Ayrton morreu no Grande Prêmio de San Marino em Imola em 1994, e no ano seguinte o pai de Bruno morreu em um acidente de moto. Viviane proibiu seu filho de correr.

Foi só em 2004 que Bruno voltou a falar em correr, quando decidiu pilotar profissionalmente, aos 20 anos.

"Ela ficou surpresa", Senna disse sobre a reação de sua mãe. "Ela achou que eu não tinha mais falado sobre isso porque não gostava mais. Pensou que era algo que vinha deles, e não de mim, mas evidentemente estava errada sobre isso."

Em duas corridas neste fim de semana, uma no sábado e outra no domingo, Senna deveria disputar o título de pilotos na final da série GP2, uma série anterior à Fórmula 1. Senna está em segundo; o favorito continua sendo Giorgio Pantano, que lidera por 11 pontos. Mas ainda há 20 pontos disponíveis através de vitórias, pole positions e volta mais rápida.

Pode estar em jogo se a Fórmula 1 verá novamente um de seus mais ilustres nomes na série. Embora ele tenha dito que usar o nome de sua mãe o ajudou com patrocínio e abriu portas, Senna também disse que às vezes é uma desvantagem.

"Se alguém viesse sem nenhuma experiência e fizesse o que estou fazendo hoje, lutando pelo campeonato, todos diriam 'Oh, ele está indo muito bem, talvez possa ser bom na Fórmula 1'", ele disse. "Mas porque eu sou quem eu sou eles pensam 'Oh, ele precisa ser campeão. É a única maneira de chegar à Fórmula 1'. Infelizmente é assim, mas eu enfrento o desafio."

De fato, os resultados de Senna foram impressionantes. A maioria dos outros pilotos de Fórmula 1 correu de kart durante a infância, competindo e vencendo em provas nacionais e internacionais. Começaram a correr de carro na adolescência e subiram pelas categorias ao longo dos anos, polindo suas técnicas antes de chegar à Fórmula 1.

Senna, em comparação, só teve aquela corrida de kart. Hoje aos 24 ele está correndo de carro há apenas quatro anos.

Na verdade ele participou de apenas quatro corridas em 2004, três na Fórmula BMW britânica e uma na Fórmula Renault. Mas em sua terceira corrida ele se classificou em segundo e terminou em segundo na corrida da Fórmula Renault.

Em 2005 correu na Fórmula 3 britânica e conseguiu uma pole position e três pódios. Na temporada seguinte, com cinco vitórias e nove poles, foi terceiro na série e também ganhou três de quatro corridas na Fórmula 3 australiana.

No ano passado ele mudou para a GP2 e teve sua primeira vitória na Espanha, mas terminou a série em oitavo. Este ano entrou para uma equipe melhor com melhores resultados, mas pagou pela estréia tardia na carreira.

"Foi uma grande desvantagem porque eu não tinha técnica de corrida, não tinha experiência de estratégia e só pensava em andar depressa", ele disse. "Mas andar depressa não é suficiente. É muito fácil fazer isso em um teste e dar uma volta que seja boa o suficiente para ser tão rápido quanto qualquer outro. Mas é muito difícil se classificar e fazer uma volta mais rápida que todos os outros. É aí que a experiência realmente faz uma grande diferença."

Houve uma confusão no pit depois de sua primeira vitória no GP2: um Senna tinha ganhado uma corrida em um fim de semana na Fórmula 1 pela primeira vez desde que seu tio ganhou o Grande Prêmio da Austrália em novembro de 1993. Senna foi rodeado por muitos repórteres e fotógrafos que tinham coberto o esporte quando seu tio estava lá, e imperou a nostalgia.

No entanto, Senna disse que nunca pensa em seu tio quando está correndo.

"Absolutamente", ele disse. "Eu tento aprender com sua carreira e tudo mais, mas quando estou no carro e no circuito estou totalmente concentrado em conseguir o resultado e fazer o trabalho. Não há espaço para nostalgia. Você precisa estar focado em ser você mesmo e ser o melhor que puder."

Ele é menos reservado do que seu tio foi, menos místico, mais aberto e sempre com um sorriso, e parece estar desfrutando cada minuto de sua carreira.

Mas até Gerhard Berger, amigo e ex-companheiro de equipe de Ayrton, que hoje é sócio da equipe Toro Rosso, disse a ele que precisa ganhar um campeonato antes de passar para a Fórmula 1. Mas Senna está em discussões com várias equipes, e é fácil compreender por quê. A morte de seu tio foi notícia de primeira página em todo o mundo e o Brasil declarou três dias de luto.

Bruno disse que não tem idéia de qual é a reação à sua carreira em seu país. "Ainda não tenho certeza, porque ainda não fui para o Brasil", ele disse. "Mas no momento é muito fácil ser um piloto promissor e estar chegando perto da Fórmula 1. Todo mundo da imprensa o apóia quando você está ganhando."

Especialmente se o seu nome é Senna.

Publicado no UOL Mídia Global.