sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Os erros da imprensa no caso Paula O.

Eduardo Simantob*, na revista Época

Aparentemente, a história tinha tudo para ser um grande escândalo que transbordaria os modestos limites geográficos da Suíça: um brutal ataque xenófobo cometido por três skinheads contra uma indefesa brasileira grávida de gêmeos, com detalhes gráficos saborosos – corpo retalhado de cortes com a inscrição SVP, sigla alemã para Partido do Povo Suíço – e um aborto como consequência. Só que era tudo mentira, e o caso real, se deixado nas mãos das autoridades locais, provavelmente mereceria não mais que uma matéria de fait-divers assim que os fatos tivessem sido devidamente apurados.

Mas não. O caso Paula Oliveira (ou Paula O., como preferiu chamar a imprensa local, cuidadosa em manter a privacidade da suposta vítima, procedimento desconhecido da imprensa brasileira) assumiu dimensões de ópera bufa, ou quase uma comédia, não fossem as consequências da farsa tão trágicas para Paula e sua família. Que também têm sua parcela de culpa na armação desse circo midiático o qual, se não chegou a provocar um incidente diplomático de fato, em muito contribuiu para atiçar os sentimentos xenófobos da população, encorajando os mais exaltados a expressar livremente pela internet, blogs e comunidades virtuais, seus sentimentos mais obtusos.

Pouco depois de acionar a polícia e dar queixa do incidente supostamente ocorrido na estação de trem do subúrbio zuriquenho de Stettbach, Paula Oliveira comunicou a família. O pai, Paulo Oliveira, pediu ao namorado da filha que fotografasse as marcas pelo corpo, e, na qualidade de bem-relacionado assessor parlamentar, não hesitou em enviá-las aos seus contatos privilegiados na mídia e no governo.

A mídia não é pai (Deus é Pai), mas um corpo profissional dotado de regras de procedimento básicos, como por exemplo, critérios de apuração. Ou assim deveria ser

Pode-se entender a atitude de Paulo Oliveira. Afinal, antes de mais nada, ele é pai, e é perfeitamente cabível que acreditasse piamente na versão da filha. A mídia, no entanto, não é pai (Deus é Pai), mas supostamente – advérbio mais frequente na história toda, também riscado dos manuais de redação nacionais – um corpo profissional dotado de regras de procedimento básicos, como por exemplo, critérios de apuração. Ou assim deveria ser.

Passando por cima de todas as regras éticas e de conduta que qualquer estudante de jornalismo supostamente aprende em seu primeiro ano de faculdade, a imprensa brasileira em poucas horas criou todo um circo de histeria e sensacionalismo. O cuidado da polícia zuriquenha, buscando resguardar a privacidade da vítima e o sigilo das investigações, foi considerado no Brasil como evidência de incompetência e, mais grave, de racismo da própria instituição. Afinal, os policiais ousaram até questionar a versão da pobre Paula. Quanta falta de sensibilidade.

O primeiro ponto da história de Paula que saltou aos olhos de qualquer pessoa informada acerca da cena de extrema-direita na Suíça foi a sigla do partido SVP arranhada na pele da brasileira. É importante esclarecer: nem todo racista é nazista (o Brasil mesmo não tem nenhum movimento neo-nazista que mereça a alcunha, e quem tem coragem de dizer que não existe racismo no país?), e os neo-nazistas aqui pouco se identificam com o Partido do Povo Suíço.

O SVP é sim um partido de direita, estupidamente conservador, nacionalista, de base originalmente rural, e que atraiu, nos últimos 15 anos, parte da elite econômica e a classe média temerosa das transformações radicais provocadas pela globalização. Nesse período, deixou de ser um partido de expressão marginal para se tornar a maior agremiação política do país. O partido ganhou ainda notoriedade internacional com suas campanhas recheadas de símbolos xenófobos e racistas, provocando ojeriza até mesmo entre os conservadores dos países da Comunidade Europeia – da qual, é bom lembrar, a Suíça não faz parte.

Os neo-nazis podem até votar para o SVP ou se identificar com partes de sua plataforma, mas o caráter burguês do partido causa repulsa aos radicais. Eles jamais ostentam bandeiras do SVP ou saem às ruas em sua defesa. Seus laços políticos são muito mais fortes com o "movimento", ou seja, a chamada "internacional fascista" que agrega grupelhos dos EUA à Rússia, mesmo que, paradoxalmente, também se baseiem em fortes tintas nacionalistas. Até mesmo suásticas parecem ser um símbolo ultrapassado para a cena neo-nazi, que desenvolveu um design mais moderninho para padrões antigos (inclusive uma grife própria de roupas, além de terem adotado a marca inglesa Lonsdale de roupas esportivas).

O médico legista Walter Baer, que examinou os cortes em Paula, foi categórico: trata-se de um caso "clássico" de cortes auto-infligidos

Ataques e agressões de cunho xenófobo de fato existem – números oficias dão conta de 355 denúncias entre 1995 e 2006 –, e observam um sensível aumento nos últimos anos. Mas o caso de Paula foge dos padrões normais. As vítimas em geral são homens, e a grande maioria árabes/muçulmanos, africanos, europeus do leste e ex-iugoslavos.

Assim que a mistura de SVP com skinheads na versão de Paula serviu de saída apenas como sinal da própria ignorância da brasileira acerca das coisas locais. E levantou mais de um sobrolho entre os investigadores.

O médico legista Walter Baer, que examinou os cortes em Paula, foi categórico: trata-se de um caso "clássico" (lehrbuchmässig, em alemão, que significa literalmente "saído do manual") de cortes auto-infligidos: todos ao alcance das mãos da vítima, relativamente superficiais e poupando partes mais sensíveis do corpo e da genitália.

As críticas à perícia de Baer proferidas na mídia brasileira agravam ainda mais os sinais de amadorismo jornalístico. Depois de todo o circo que armaram, os jornalistas criticaram o fato de Baer conceder uma coletiva de imprensa antes do fim das investigações – e note-se que, conforme deu a entender a secretária cantonal de polícia, Esther Maurer, na mesma ocasião, a coletiva foi organizada para baixar um pouco o histrionismo midiático que o caso estava sofrendo, e dar uma resposta oficial às acusações de que a Suíça é um país racista.

Walter Baer, aliás, é um dos mais respeitados legistas do país e, ao contrário do passado recente do Brasil (alguém se lembra do caso PC Farias?), não se tem notícia de manipulação política ou de qualquer outro tipo por parte do Instituto de Medicina Legal da Universidade de Zurique.

A gravidez que não existiu levantou mais um par de sobrolhos. Detalhes de como a polícia conduziu o interrogatório com Paula, o exame ginecológico que desmentiu a existência dos supostos gêmeos, a arma do crime, possíveis motivações aventadas pela polícia e, por fim, a confissão final da brasileira, saíram publicados na revista Weltwoche da quarta-feira (18). A publicação coincidiu com saída de Paula do Hospital Universitário de Zurique e com a abertura de um processo contra ela pelo Ministério Público local por crimes de falso testemunho e por induzir a autoridade judiciária ao erro. A ex-vítima e agora ré deverá acompanhar o processo em território suíço e seu passaporte encontra-se apreendido pelas autoridades de modo a impedir sua saída do país, para desgosto da opinião pública local (e do SVP), que clamam pela deportação da brasileira.

Criou-se até mesmo uma comunidade no site Facebook chamada "Deportação para Paula Oliveira" (Ausschaffung für Paula Oliveira), reacendendo o cansativo debate sobre o comportamento de estrangeiros no país.

O caso de Paula é agora de um problema de caráter pessoal, sem qualquer interesse público, e a imprensa faria bem em deixar a história morrer por aí

Enquanto isso, o circo midiático continuava a toda. Segundo o diplomata Acir Madeira, despachado de Brasília especialmente para tratar do caso com a imprensa, o assédio incansável dos jornalistas até na porta de casa já fez o pai de Paula arrepender-se profundamente de sua atitude no início do caso. E pior, com um processo agora nas costas, tudo que a família precisa é manter a boca fechada e se preparar para a defesa.

Assim, o que parecia uma grande história horrorosa provou-se em poucos dias ser uma grande farsa constrangedora, e tudo agora se resume a um processo penal no qual provavelmente Paula deverá apenas pagar uma multa – sem contar a possível necessidade de encarar uma longa terapia para administrar distúrbios psicológicos, que o advogado da brasileira estuda incorporar à defesa. Porém, trata-se agora de um problema de caráter pessoal, sem qualquer interesse público, e a imprensa faria bem em deixar a história morrer por aí.

Na Suíça, porém, mesmo que não tenha havido qualquer comoção pública, o caso tem sido usado para ajustes de contas internos. Uma das ironias é que a farsa de Paula serviu para colocar o SVP na condição de vítima num momento em que o partido acumula mais de um ano de derrotas seguidas em praticamente todos os plebiscitos nacionais e cantonais, seu grande líder, o populista Christoph Blocher, foi chutado do Conselho Federal (o Executivo nacional, no fim de 2007) por "falta de espírito coletivo", lideranças internas de peso pularam fora e fundaram um partido dissidente, e sua popularidade caiu mais de 5%, do pico de 29% em 2007.

Já a revista Weltwoche, a única a ter acesso aos autos da polícia no caso, e o mais influente órgão de imprensa a defender o SVP, ainda aproveitou de seu furo para achincalhar a rede estatal Swissinfo, que funciona como uma espécie de BBC local, bancada por dinheiro público e considerada pela direita como um "ninho" de jornalistas à esquerda. Segundo a Weltwoche, o comportamento da Swissinfo na cobertura do caso, especialmente por amplificar as notícias da mídia brasileira, foi um exemplo crasso de amadorismo jornalístico.

"Amadora" e "irresponsável" é também a impressão deixada pela imprensa do Brasil. Os expatriados brasileiros na Suíça podiam passar sem essa, em nome da reputação da comunidade. Como consolo, pode-se ao menos saber que os serviços consulares do Brasil funcionam, e, no caso, comportaram-se perfeitamente – ou seja, simplesmente fizeram o seu trabalho de assistência como deveria ser feito. Desta vez não foi nem o Estado, nem a polícia que pisaram na bola, mas uma advogada e um bando de jornalistas, numa triste inversão dos papéis usuais no jogo democrático.

*Jornalista brasileiro residente em Zurique.

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

O PMDB é corrupto

Da Veja Online

A ideia de que parlamentares usem seu mandato preferencialmente para obter vantagens pessoais já causou mais revolta. Nos dias que correm, essa noção parece ter sido de tal forma diluída em escândalos a ponto de não mais tocar a corda da indignação. Mesmo em um ambiente político assim anestesiado, as afirmações feitas pelo senador Jarbas Vasconcelos, de 66 anos, 43 dos quais dedicados à política e ao PMDB, nesta entrevista a VEJA soam como um libelo de alta octanagem. Jarbas se revela decepcionado com a política e, principalmente, com os políticos. Ele diz que o Senado virou um teatro de mediocridades e que seus colegas de partido, com raríssimas exceções, só pensam em ocupar cargos no governo para fazer negócios e ganhar comissões. Acusa o ex-governador de Pernambuco: "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção".

O que representa para a política brasileira a eleição de José Sarney para a presidência do Senado?

É um completo retrocesso. A eleição de Sarney foi um processo tortuoso e constrangedor. Havia um candidato, Tião Viana, que, embora petista, estava comprometido em recuperar a imagem do Senado. De repente, Sarney apareceu como candidato, sem nenhum compromisso ético, sem nenhuma preocupação com o Senado, e se elegeu. A moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador.

Mas ele foi eleito pela maioria dos senadores.

Claro, e isso reflete o que pensa a maioria dos colegas de Parlamento. Para mim, não tem nenhum valor se Sarney vai melhorar a gráfica, se vai melhorar os gabinetes, se vai dar aumento aos funcionários. O que importa é que ele não vai mudar a estrutura política nem contribuir para reconstruir uma imagem positiva da Casa. Sarney vai transformar o Senado em um grande Maranhão.

Como o senhor avalia sua atuação no Senado?

Às vezes eu me pergunto o que vim fazer aqui. Cheguei em 2007 pensando em dar uma contribuição modesta, mas positiva – e imediatamente me frustrei. Logo no início do mandato, já estourou o escândalo do Renan (Calheiros, ex-presidente do Congresso que usou um lobista para pagar pensão a uma filha). Eu me coloquei na linha de frente pelo seu afastamento porque não concordava com a maneira como ele utilizava o cargo de presidente para se defender das acusações. Desde então, não posso fazer nada, porque sou um dissidente no meu partido. O nível dos debates aqui é inversamente proporcional à preocupação com benesses. É frustrante.

O senador Renan Calheiros acaba de assumir a liderança do PMDB...

Ele não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido. Renan é o maior beneficiário desse quadro político de mediocridade em que os escândalos não incomodam mais e acabam se incorporando à paisagem.

O senhor é um dos fundadores do PMDB. Em que o atual partido se parece com aquele criado na oposição ao regime militar?

Em nada. Eu entrei no MDB para combater a ditadura, o partido era o conduto de todo o inconformismo nacional. Quando surgiu o pluripartidarismo, o MDB foi perdendo sua grandeza. Hoje, o PMDB é um partido sem bandeiras, sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos.

Para que o PMDB quer cargos?

Para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção.

Quando o partido se transformou nessa máquina clientelista?

De 1994 para cá, o partido resolveu adotar a estratégia pragmática de usufruir dos governos sem vencer eleição. Daqui a dois anos o PMDB será ocupante do Palácio do Planalto, com José Serra ou com Dilma Rousseff. Não terá aquele gabinete presidencial pomposo no 3º andar, mas terá vários gabinetes ao lado.

Por que o senhor continua no PMDB?

Se eu sair daqui irei para onde? É melhor ficar como dissidente, lutando por uma reforma política para fazer um partido novo, ao lado das poucas pessoas sérias que ainda existem hoje na política.

Lula ajudou a fortalecer o PMDB. É de esperar uma retribuição do partido, apoiando a candidatura de Dilma?

Não há condições para isso. O PMDB vai se dividir. A parte majoritária ficará com o governo, já que está mamando e não é possível agora uma traição total. E uma parte minoritária, mas significativa, irá para a candidatura de Serra. O partido se tornará livre para ser governo ao lado do candidato vencedor.

O senhor sempre foi elogiado por Lula. Foi o primeiro político a visitá-lo quando deixou a prisão, chegou a ser cotado para vice em sua chapa. O que o levou a se tornar um dos maiores opositores a seu governo no Congresso?

Quando Lula foi eleito em 2002, eu vim a Brasília para defender que o PMDB apoiasse o governo, mas sem cargos nem benesses. Era essencial o apoio a Lula, pois ele havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética. Com o desenrolar do primeiro mandato, diante dos sucessivos escândalos, percebi que Lula não tinha nenhum compromisso com reformas ou com ética. Também não fez reforma tributária, não completou a reforma da Previdência nem a reforma trabalhista. Então eu acho que já foram seis anos perdidos. O mundo passou por uma fase áurea, de bonança, de desenvolvimento, e Lula não conseguiu tirar proveito disso.

A favor do governo Lula há o fato de o país ter voltado a crescer e os indicadores sociais terem melhorado.

O grande mérito de Lula foi não ter mexido na economia. Mas foi só. O país não tem infraestrutura, as estradas são ruins, os aeroportos acanhados, os portos estão estrangulados, o setor elétrico vem se arrastando. A política externa do governo é outra piada de mau gosto. Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura agora tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos em um pacote eleitoreiro. É um governo medíocre. E o mais grave é que essa mediocridade contamina vários setores do país. Não é à toa que o Senado e a Câmara estão piores. Lula não é o único responsável, mas é óbvio que a mediocridade do governo dele leva a isso.

Mas esse presidente que o senhor aponta como medíocre é recordista de popularidade. Em seu estado, Pernambuco, o presidente beira os 100% de aprovação.

O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o país inteiro. Imagine isso no Nordeste, que é a região mais pobre. Imagine em Pernambuco, que é a terra dele. Ele fez essa opção clara pelo assistencialismo para milhões de famílias, o que é uma chave para a popularidade em um país pobre. O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo.

O senhor não acha que o Bolsa Família tem virtudes?

Há um benefício imediato e uma consequência futura nefasta, pois o programa não tem compromisso com a educação, com a qualificação, com a formação de quadros para o trabalho. Em algumas regiões de Pernambuco, como a Zona da Mata e o agreste, já há uma grande carência de mão-de-obra. Famílias com dois ou três beneficiados pelo programa deixam o trabalho de lado, preferem viver de assistencialismo. Há um restaurante que eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família. A situação imediata do nordestino melhorou, mas a miséria social permanece.

A oposição está acuada pela popularidade de Lula?

Eu fui oposição ao governo militar como deputado e me lembro de que o general Médici também era endeusado no Nordeste. Se Lula criou o Bolsa Família, naquela época havia o Funrural, que tinha o mesmo efeito. Mas ninguém desistiu de combater a ditadura por isso. A popularidade de Lula não deveria ser motivo para a extinção da oposição. Temos aqui trinta senadores contrários ao governo. Sempre defendi que cada um de nós fiscalizasse um setor importante do governo. Olhasse com lupa o Banco do Brasil, o PAC, a Petrobras, as licitações, o Bolsa Família, as pajelanças e bondades do governo. Mas ninguém faz nada. Na única vez em que nos organizamos, derrotamos a CPMF. Não é uma batalha perdida, mas a oposição precisa ser mais efetiva. Há um diagnóstico claro de que o governo é medíocre e está comprometendo nosso futuro. A oposição tem de mostrar isso à população.

Para o senhor, o governo é medíocre e a oposição é medíocre. Então há uma mediocrização geral de toda a classe política?

Isso mesmo. A classe política hoje é totalmente medíocre. E não é só em Brasília. Prefeitos, vereadores, deputados estaduais também fazem o mais fácil, apelam para o clientelismo. Na política brasileira de hoje, em vez de se construir uma estrada, apela-se para o atalho. É mais fácil.

Por que há essa banalização dos escândalos?

O escândalo chocava até cinco ou seis anos atrás. A corrupção sempre existiu, ninguém pode dizer que foi inventada por Lula ou pelo PT. Mas é fato que o comportamento do governo Lula contribui para essa banalização. Ele só afasta as pessoas depois de condenadas, todo mundo é inocente até prova em contrário. Está aí o Obama dando o exemplo do que deve ser feito. Aqui, esperava-se que um operário ajudasse a mudar a política, com seu partido que era o guardião da ética. O PT denunciava todos os desvios, prometia ser diferente ao chegar ao poder. Quando deixou cair a máscara, abriu a porta para a corrupção. O pensamento típico do servidor desonesto é: "Se o PT, que é o PT, mete a mão, por que eu não vou roubar?". Sofri isso na pele quando governava Pernambuco.

É possível mudar essa situação?

É possível, mas será um processo longo, não é para esta geração. Não é só mudar nomes, é mudar práticas. A corrupção é um câncer que se impregnou no corpo da política e precisa ser extirpado. Não dá para extirpar tudo de uma vez, mas é preciso começar a encarar o problema.

Como o senhor avalia a candidatura da ministra Dilma Rousseff?

A eleição municipal mostrou que a transferência de votos não é automática. Mesmo assim, é um erro a oposição subestimar a força de Lula e a capacidade de Dilma como candidata. Ela é prepotente e autoritária, mas está se moldando. Eu não subestimo o poder de um marqueteiro, da máquina do governo, da política assistencialista, da linguagem de palanque. Tudo isso estará a favor de Dilma.

O senhor parece estar completamente desiludido com a política.

Não tenho mais nenhuma vontade de disputar cargos. Acredito muito em Serra e me empenharei em sua candidatura à Presidência. Se ele ganhar, vou me dedicar a reformas essenciais, principalmente a política, que é a mãe de todas as reformas. Mas não tenho mais projeto político pessoal. Já fui prefeito duas vezes, já fui governador duas vezes, não quero mais. Sei que vou ser muito pressionado a disputar o governo em 2010, mas não vou ceder. Seria uma incoerência voltar ao governo e me submeter a tudo isso que critico.

sábado, fevereiro 14, 2009

A 'barriga' da Globo quase compromete o Brasil

Rui Martins*, no Direto da Redação

A moça brasileira tinha seus problemas e provavelmente se autoflagelou. É triste.

Mais triste é o quadro da nossa imprensa irresponsável que mobilizou o país, levou o ministro das relações exteriores Celso Amorim a criticar um país amigo e Lula a quase criar um caso diplomático. É hora de denunciar a nossa grande imprensa sem deontologia, sem investigação, que afirma e desafirma sem qualquer cuidado e sem checar as notícias.

A agressão racista contra Paula Oliveira não foi um noticiario iniciado em Zurique, local da suposta agressão. Estourou no Brasil, detonada por um pai – e isso é muito compreensível – preocupado com sua filha distante. E a maior rede de televisão do Brasil, a Globo, vista por mais de uma centena de milhões de brasileiros, não teve dúvidas em transformar o caso na grande manchete do dia, fazendo com que outros milhões de brasileiros, no Exterior, já acuados pela Diretiva do Retorno, se solidarizassem e imaginassem passeatas e manifestações.

Essa é a maior barriga da história do nosso jornalismo, que revela o descalabro a que chegamos em termos de informação ou desinformação. Equivale ao conto do vigário do Madoff, ou das subprimes do mercado imobiliário americano. Só que o Madoff está preso, mesmo sendo prisão domiciliar e vivemos uma crise econômica, em consequência dos desmandos dos bancos americanos. Mas o que vai acontecer com a televisão Globo e todos quantos foram atrás? Nada, vai ficar por isso mesmo.

Como um órgão de imprensa de tanta penetração pode se permitir divulgar com estardalhaço um noticiário de muitos minutos, reproduzido online, repicado por jornais, rádios e copiado por outras televisões sem primeiro checar no local? Que jornalismo é esse que se faz sem qualquer investigação, sem se ouvir as partes envolvidas? Sem deslocar antes um reporter para Zurique e entrevistar também o policial responsável pela ocorrência? Sem ouvir a própria envolvida, fiando-se apenas no relato de um pai desesperado? Sem pedir a opinião de um especialista em ferimentos e escoriações?

Quem vai pagar o dano moral causado a essa jovem, que sem querer se tornou primeira página nos jornais? Quem vai desfazer o ridículo a que se submeteu o nosso ministro Celso Amorim, que, baseado num noticiário de foca em jornalismo, sem ouvir acusação e acusado, ofendeu um país amigo exigindo que prestasse contas em Brasília por um noticiário tipo cheque sem fundo? Quem assume o fato de quase levar nosso presidente a ficar vermelho de vergonha por se basear em noticiário sem crédito, com o mesmo valor de uma ação do banco Lehmann?

E mais – o dano sofrido pela Suíça, em termos de imagem, justamente quando seu povo tinha justamente votado em favor dos imigrantes , quem vai reparar?

Essa barriga da Globo, secundada pela grande imprensa, é prova do que se vem dizendo há algum tempo – não há credibilidade nessa mídia. Publica-se, transmite-se qualquer coisa, e quanto mais sensacionalista melhor. Não há responsabilidde no caso de erros, de noticiário mentiroso, vale tudo, o papel aceita tudo, a televisão transmite qualquer coisa, desde que dê Ibope – e existe melhor coisa que nacionalismo ofendido? É o que os franceses chamam de "presse de boulevard", mentirosa, tendenciosa, com a opinião ao sabor das publicidades. Sem jornalismo investigadivo, sem confirmar as fontes, sem ouvir as opiniões divergentes.

Vão pedir a cabeça do redador-chefe? Não, assim que se recuperarem da barriga, da irresponsabilidade cometida, da vergonha diante dos colegas, vão jogar tudo em cima da pobre jovem, que deve ter seus problemas e que a nós não compete saber, isso é vida privada, não é Big Brother.

É essa mesma imprensa marrom, que induz nossos dirigentes ao erro, que também publica qualquer coisa contra o que chamam de “assassino desalmado” Cesare Battisti. A irresponsabilidade da imprensa é o pior inimigo da liberdade de imprensa, porque pode provocar reações legislativas limitando os descalabros cometidos.

Escrever num jornal, falar numa rádio ou numa televisão e mesmo manter um blog constitui uma responsbilidade social. Não se pode valer dessa posição para se difundir boatos, nem inverdades, nem ouvir-dizer, é preciso ir checar, levantar o fato, mencionar ou desfazer as dúvidas e suspeitas existentes. É também preciso se garantir o direito de ser mencionada a versão da parte acusada para evitar a notícia tendenciosa.

A barriga da Globo vai ficar na história do nosso jornalismo, será sempre lembrada nos cursos de comunicação, tornou-se antológica, e nela estão entalhadas, por autoflagelação, as palavras que a norteiam – sensacionalismo, irresponsabilidade e abuso do seu poder.

Existem, sim, problemas contra nossos emigrantes em diveros países, principalmente depois da criação da Diretiva do Retorno pelo italiano Silvio Berlusconi. Diariamente brasileiros são presos e mandados de volta, na Espanha, mas isso não mobiliza a nossa imprensa, não dá Ibope.

* O autor vive na Suíça e colabora com os jornais portugueses Público e Expresso.

domingo, fevereiro 01, 2009

'Solução de dois Estados só depende de Israel'

Reza Aslan, na NPQ

O ex-presidente dos EUA Jimmy Carter debate as perspectivas para uma solução de dois Estados para a crise palestino-israelense, bem como a política externa americana diante do Irã.

Segundo os argumentos do seu novo livro, "Podemos chegar à paz na Terra Santa: Um plano que vai funcionar", a imensa maioria dos israelenses e palestinos já aceita os parâmetros de uma solução de dois Estados. Então por que a solução de dois Estados ainda parece tão longe de se tornar realidade?

Até o momento isso se deveu ao fato de os israelenses não estarem dispostos a dar um passo fundamental, que é a retirada da Cisjordânia. Isso é central para a solução do conflito, e Israel não apenas continuou a aumentar o número de assentamentos no território como também construiu uma muralha na área palestina da Cisjordânia. Se os israelenses aceitarem a solução, terão de se retirar da Cisjordânia e eles ainda não demonstraram disposição em fazê-lo.

Parece que durante cerca de 40 anos o status quo beneficiou Israel. Mas agora parece que ocorreu uma virada, em termos demográficos. Não falta muito tempo para que haja mais árabes do que judeus entre o Mediterrâneo e o Rio Jordão. Esta não é a verdadeira ameaça à existência de Israel?

Exato. Logo haverá uma maioria árabe naquele território de um único Estado, o que significa que Israel terá apenas três opções completamente inaceitáveis. Uma delas é o que se pode chamar de limpeza étnica, coisa que ninguém deseja, e isto significa obrigar os palestinos a deixar o território. A segunda opção seria ter um país dentro do qual houvesse duas classes de cidadãos: uma delas seria composta pelos judeus, que teriam direito ao voto; a outra seria formada pelos árabes sem direito ao voto. E isso seria equivalente ao apartheid sul-africano.

A terceira e última opção é deixar que os árabes detenham a maioria dos votos, e com alguma divisão entre os judeus, e os árabes votando em bloco, eles controlariam todo o governo e não haveria mais um Estado judaico. Estas são as opções, excluída a solução de dois Estados.

Parece que a opinião pública e a mídia americanas estão mais dispostas a criticar Israel após a guerra em Gaza.

As pesquisas mostram que isso é verdade. Acho que veremos grandes mudanças, e a demonstração mais concreta é a eleição de Barack Obama. Desde sua primeira semana na presidência, ficou claro que a paz no Oriente Médio será uma de suas prioridades. E o enviado especial escolhido por ele, George Mitchell, é muito mais qualificado do que muitos de seus predecessores.

A maioria dos israelenses está disposta a abrir mão da Cisjordânia em troca da paz, e os palestinos desejam a mesma coisa. A poderosa voz do presidente dos EUA terá um imenso impacto sobre a opinião pública, não somente no seu país, mas também nos territórios palestinos e em Israel.

Qual seria a principal lição que o presidente deveria aprender a partir da sua experiência nas tentativas de encerrar o conflito no Oriente Médio?

Os EUA precisam desempenhar um papel forte desde os primeiros momentos de seu governo, sendo enfáticos nos esforços para conduzir as negociações até a sua conclusão. É necessário agir logo, demonstrar comprometimento profundo e ser persistente.

Este processo começa com o reconhecimento do papel desempenhado pelo Hamas nas negociações?

Ainda é cedo para isto. O Hamas se comprometeu a aceitar qualquer acordo negociado com Israel, desde que seja submetido ao povo palestino em um plebiscito, ou se for eleito um governo de unidade e os representantes do governo aprovarem o acordo. Este é um importante passo a ser dado quando chegar o momento nas negociações com o Hamas.

Publicado no Estadão.