sexta-feira, junho 06, 2008

Globo mantém estratégia vencedora há 30 anos

Do Financial Times

Como dizem no Brasil louco por futebol, em time que está ganhando não se mexe. A Rede Globo, a maior rede de televisão do Brasil e a quarta do mundo, leva o ditado a sério: há trinta anos, sua programação noturna quase não mudou. Executivos de televisão no mundo todo lutam para adequarem seus horários aos gostos instáveis. A Globo mantém sua estratégia básica.

Das 18 às 22h, de segunda a sexta-feira, os telespectadores vêem o seguinte: novela; noticiário local; novela; noticiário nacional; e outra novela. Depois, têm futebol pelo menos uma noite por semana e um filme de Hollywood em outra. Uma mistura de séries cômicas e assuntos de interesse atuais preenche o resto. Os dias da semana e os finais de semana são dominados por outro produto básico: programas de auditório, nos quais apresentadores famosos oferecem entrevistas com celebridades, esquetes ao vivo, competições e dramas da vida real.

Esse é um dos segredos do sucesso da rede, diz Octávio Florisbal, diretor-geral da Globo: uma programação rígida "horizontal" - diferentemente da variada "vertical", como muitas nos EUA e na Europa - mais adequada para capturar telespectadores e torná-los leais. Outro segredo é o fato da Globo produzir quase toda sua programação, usando autores, atores, jornalistas e técnicos, todos ligados à rede, e criar programas em um estilo próprio instantaneamente reconhecível.

E que estilo. O logotipo espacial da Globo, que faz "plim, plim", diz tudo. Suas novelas trazem tipos reconhecidamente brasileiros de todo o país (com uma forte tendência para o eixo Rio-São Paulo), em ambientes reconhecidamente brasileiros, comportando-se de formas reconhecidamente brasileiras. Eles lidam com questões de preocupação diária dos telespectadores, como crime, sexo com menores e drogas - exceto que nada é bem o Brasil, porque tudo é um pouco melhorado, se não muito, e menos alarmante do que na vida real.

Os pobres especialmente se saem muito melhor no mundo da Globo do que no mundo real. São mais bem alimentados, mais bem vestidos, se dão melhor com seus patrões de classe média e moram em favelas - onipresentes nas cidades brasileiras - tão maquiadas que deixam a coisa real literalmente na poeira. "O povo brasileiro enfrenta suficientes dificuldades em suas vidas diárias", diz Florisbal. "Eles não querem ver mais sofrimento. Não é o que querem das novelas da Globo".

Mas se a Globo não está mudando, seus telespectadores sim. A economia está melhorando, e a renda vem aumentando há algum tempo. Nos últimos dois anos apenas, 20 milhões entraram na faixa de renda média, que atualmente compreende 46% dos quase 190 milhões de brasileiros. Isso significa que mais pessoas devem ter mais tempo e dinheiro para fazer outras coisas do que sentarem-se lealmente diante da programação horizontal da Globo.

Os bares, restaurantes e cinemas são ameaças evidentes, apesar dos brasileiros de classe média não serem ricos o suficiente ainda para esses terem muito impacto. A Internet e a televisão paga causam preocupação, apesar de seu efeito ser marginal; a televisão paga está presente em apenas 6% a 7% dos 50 milhões de lares brasileiros.

A competição pelo tempo de lazer das pessoas, ao que parece, não vem primariamente dessas fontes - os fantasmas dos programadores americanos e europeus. O que a renda crescente produziu foi uma feroz competição pelo público da televisão e a propaganda que atrai.

Os dados de audiência e propaganda são difíceis de se obter. O Ibope, empresa de pesquisa de mercado, os fornece às redes, que divulgam apenas o que querem. Daniel Castro, colunista de televisão da Folha de S.Paulo, diz que a fatia da propaganda da Globo ainda está firme em cerca de 70%. Mas essa parcela está sendo ameaçada. A Globo diz que seu público médio de 7h da manhã até a meia-noite caiu, mas não revela os dados do horário nobre, que Castro diz ter declinado nos últimos três anos.

Quem está comendo a parcela da Globo? Aparentemente, não são os canais rivais tradicionais, SBT e Bandeirantes, mas uma rede relativamente recente, Record, com uma nova fórmula vencedora instalada desde 2004. A fórmula é: copiar a Globo.

Alexandre Raposo, diretor de televisão na Record, diz que depois de muita pesquisa criou uma nova programação horizontal constituída de novelas, noticiários, futebol e programas de auditório. O seu horário nobre difere do da Globo apenas na ordem das novelas e dos noticiários. O resultado não surpreende, mas ainda assim é impressionante: as novelas da Record parecem às da Globo, até os atores, os ambientes e a programação gráfica.

"É claro, essa é nossa estratégia", diz Raposo. "Estamos usando o condicionamento que já está presente no telespectador. E 80% de nossos profissionais são da Globo." A Record pegou tantos profissionais da Globo nos últimos dois anos que é incrível que a Globo ainda tenha pessoal.

Ainda assim, as novelas da Record diferem das da Globo. "Vidas Opostas", que teve 240 episódios em 2006 e 2007, era uma novela ambientada em uma favela que de fato parece uma favela completa, com traficantes e policiais corruptos. Ela recebeu uma série de prêmios e teve forte audiência.

A Record seguiu esse sucesso com "Caminhos do Coração", na qual os personagens de classe média com vidas ordinárias são afetados por mutantes que atiram raios mortais dos olhos, uma alegoria aos males -desde o crime comum até políticos corruptos - que afligem a vida brasileira.

No ultra-realismo e no surreal, a Record encontrou formas de acrescentar à fórmula vencedora da Globo. No início do ano, "Caminhos" fez para Record o que nenhuma rede brasileira conseguiu antes: teve um público no horário nobre mais do que a metade do tamanho da Globo.

A Globo ainda não está entrando em pânico. Sua estratégia continua a mesma: nenhuma mudança. "Enquanto líder do mercado, com o público que temos, só podemos mudar muito lentamente", diz Florisbal. Enquanto isso, parece que a Globo corre o risco de ser comida por seu próprio clone. Parece uma novela da Record.

Publicado no UOL Mídia Global.

segunda-feira, junho 02, 2008

TRE censura banner do Gabeira

Do Gabeira.com

Depois que o TRE notificou o deputado Fernando Gabeira pelo que considerou "propaganda extemporânea" feita pelo site www.slglab.com.br/gabeira, criado à revelia do deputado, começou na blogosfera um intenso debate sobre propaganda eleitoral e a liberdade de expressão na internet. Em seu blog, de onde precisou tirar um banner a favor da candidatura de Gabeira à prefeitura do Rio, depois da notificação do TRE, o jornalista Pedro Doria foi um dos primeiros a discutir o tema:

Sobre o que é censura e o que podemos dizer

Pedro Doria

Há uma boa discussão acontecendo no post sobre a censura ao Weblog. Acho que algumas questões valem ser trazidas à frente – para mim é uma questão de princípios.

A questão, polêmica, está se espalhando na Internet. É bom que discutamos.

Alguns de vocês sabem que passarei um ano em Stanford, nos EUA, estudando justamente as pressões que os tempos correntes impõem às democracias. Me é uma discussão muito cara. E, dos direitos básicos das democracias, considero a liberdade de expressão o maior de todos. Se o Estado não impuser limites naquilo que a sociedade pode dizer e discutir, o resto se resolve.

Algumas das questões que vocês levantaram:

1. Há uma lei que diz que propaganda eleitoral não pode. Lei pode ser mudada mas lei se obedece.

Na verdade, não é tão simples. Leis estão subordinadas à Constituição Federal que diz:

Artigo 5º, parágrafo IV: É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.

E o parágrafo IX: É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença.

Evidentemente, cabe aos juízes interpretarem se uma lei é constitucional ou não. Para mim, esta evidentemente é inconstitucional. O juiz blogueiro Jorge Araújo concorda (leia aqui).

É evidente que leis do tipo são polêmicas. Os EUA foram o primeiro país a determinar na Constituição este tipo de liberdade num parágrafo de uma elegância ímpar: O Congresso não fará lei que trate de religião ou proíba seu exercício; tampouco escreverá leis que tratem da liberdade de expressão ou de imprensa; ou a respeito do direito das pessoas de se reunirem e cobrarem algo do governo.

É isto: o Congresso sequer pode legislar a respeito. O direito à livre expressão é absoluto.

2. Mas isso não é sua opinião. É propaganda.

Talvez o banner possa ser encarado como propaganda, sim. Ou como um ícone que leva a uma página. Mas qual é a diferença? Propaganda é uma forma de comunicação não mais ou menos nobre do que um texto jornalístico ou um artigo de opinião. É a manifestação de uma idéia usando uma forma específica.

A propaganda deve estar livre de censura da mesma forma que qualquer outra forma de expressão. Afinal, quem realmente define o que é propaganda? Se abrimos uma brecha para que o Estado censure uma espécie de comunicação, logo haverá alguém disposto a chamar de propaganda o que quiser.

Uns poderiam argumentar que há limites para a propaganda de cigarro. Ou de bebidas alcoólicas. É verdade. Sou contra tais limites. Sou contra quaisquer limites à liberdade de expressão. Não sou contra a intervenção com uma mensagem como ‘O Ministério da Saúde adverte’. Independentemente disso, os limites não proíbem a veiculação da propaganda. Se me obrigassem a incluir um aviso ‘Isso é só minha opinião’ e tudo mais, eu incluiria. Mas estou no momento proibido de manifestar minha opinião da forma que quero num espaço que me pertence.

Esta é uma ressalva importante. E se alguém pusesse um cartaz de propaganda política na janela de seu prédio bem localizado? Pessoas fazem isso. E devem ter o direito de fazê-lo. E se alguém espalhasse cartazes pela cidade ou pichasse muros? É diferente. Se o poste ou o muro não lhe pertencem, você não pode interferir ali. Sua liberdade de expressão se limita ao que é seu e você deve financiá-la. Você pode subir num banco em praça pública e se manifestar. Escrever à máquina, pagar pela xerox e distribuir seus panfletos.

Isso dá poder demasiado para quem tem nas mãos um grande veículo de comunicação? Mas é evidente que dá. Por isso é que rádio e tevê são concessões públicas. Por isso que o exercício da crítica à imprensa é importantíssimo. E por isso que a Internet é revolucionária.

3. Estamos falando de blogs. Imagine se um grande portal decidisse fazer propaganda para um candidato?

Pessoalmente, não teria nada a opor. Como disse: a livre expressão é um direito absoluto. Construa um grande portal, angarie influência e se manifeste politicamente como bem entender. Na Internet, é possível.

A idéia de que um portal poderia se manifestar a respeito de uma candidatura soa estranho, na verdade, porque não estamos habituados com a real liberdade de expressão. Nos EUA, é tradição em todos os jornais que se manifestem a favor de uma candidatura. A revista britânica The Economist costuma se manifestar a favor de candidatos na maioria dos países que cobre. E, às vezes, se manifesta contra – o italiano Silvio Berlusconi que o diga.

Quando um veículo de comunicação se manifesta publicamente, ele está sendo mais transparente, não menos. E uma das lições da Internet, diariamente comprovada aqui mesmo no Weblog, é que leitores são críticos e têm opiniões próprias. Posso convidar a uma discussão, isto não quer dizer que todos concordarão comigo.

E, por fim, mesmo no Brasil há pencas de histórias de jornais e revistas que fazem campanha, sim, para determinados grupos políticos ou contra eles. Às vezes, por motivos bem pouco nobres. Em geral, sem transparência.

(Antes que alguém o diga, esta não é uma tirada contra a Veja ou a Carta Capital. Ambas são bem claras em como se posicionam politicamente.)

4. O banner dava ao candidato uma vantagem indevida perante os outros.

Dava porque a lei não permite. Mas é um limite artificial. Nada impede que qualquer candidato se manifeste via Internet ou que qualquer blogueiro abra o espaço que desejar para manifestar seus apoios. Aliás, este é justamente o meio de comunicação em que qualquer vereador pode concorrer em pé de igualdade com os candidatos mais ricos.

Evidentemente, alguns candidatos terão mais espaço do que outros porque terão mais apoio. Isso é dado pela democracia. E, como Ron Paul percebeu nos EUA, ter mais espaço na web do que seus concorrentes não quer dizer qualquer aumento de suas chances eleitorais.

5. Pára com isso. Propaganda eleitoral não pode antes do período eleitoral e pronto.

Devia poder. Somos políticos. Fazer ‘propaganda’ é fazer ‘propagar’ idéias. Uma democracia não é completa se não podemos nos manifestar a favor de determinadas candidaturas quando bem o quisermos sem que o Estado se intrometa.

6. Seu novo banner é uma ‘agressão gratuita à instituição judiciária’.

Esta é a única crítica que recebi e me surpreendeu. Que não fiquem dúvidas: o Tribunal me censurou. Censura é isso, é dizer que não pode publicar algo em meu espaço. Uma intromissão em minha liberdade de colocar o que quiser aqui. Uma inteferência em minha independência editorial. Esta é a informação no novo banner. E este aqui, no Brasil, ainda é um regime democrático mesmo que capenga. Um Estado de leis. O tribunal decidiu que não posso publicar, não publico. Mas digo que fui censurado.

Não preciso publicar poema de Camões ou receita de bolo, não deixo espaço em branco para dar a entender que fui censurado.

Hoje, tenho o direito de dizer ‘o que antes estava aqui não está mais porque um Tribunal disse que não pode estar’.

Não tenho qualquer saudades do tempo em que não podia dizê-lo. Tenho certeza de que os juízes concordam comigo.

7. Você não tem que escrever. Tem que brigar na Justiça.

Sou jornalista. Escrevo.

Mas há muitos, entre grandes órgãos de imprensa, portais e candidatos, lutando na Justiça neste exato momento contra as restrições atuais.

O que aconteceu aqui foi muito simples: um tribunal decidiu que um determinado tipo de conteúdo não poderia aparecer no Weblog. Não é que tenha ofendido alguém e estou sendo processado por injúria, difamação. Porque o conteúdo não era adequado à época do ano.

Que tipo de conteúdo? Conteúdo político. Há limites para o que posso manifestar politicamente. Esta é uma questão que tem a ver com nossos direitos mais básicos numa democracia.

Atualização - Não pode se manifestar a favor de crime? Não pode demonstrar racismo? Sei que há limites para a expressão da opinião no Brasil. Na verdade, o que qualquer jurista dirá é que a Constituição é contraditória no assunto e a batata quente cai na mão dos juízes. Mas reitero: considero que, para uma democracia ser plena, a liberdade de expressão deve ser absoluta. Isso nem sempre é bonito mas sempre representa o que somos e o que pensamos às claras.

No fundo, a questão é a seguinte: confiaremos que cada cidadão será responsável pelo que pensa ou pelo que diz e que responderá pelas conseqüências? Ou determinaremos que o Estado deve interferir nesta liberdade? Fico com a primeira.

Humilhou alguém de outra etnia? Que seja processado, julgado, multado, preso. Um crime foi cometido por conta sua verve? Se for comprovado, que a Justiça decida o veredito. Da última vez que a idéia de incitação ao crime foi levantada foi para impedir um grupo de cidadãos que pretendia se manifestar pela mudança de uma lei.