sábado, agosto 20, 2005

A culpa de Lula

Clóvis Rossi

Helmut Kohl foi o líder político que conduziu o processo de reunificação da Alemanha, tarefa ciclópica. Deu certo - claro que com os problemas inerentes à imensidão do desafio. Kohl, portanto, é um formidável herói, cultuado por seus concidadãos, certo? Mais ou menos. Na verdade, Kohl está no ostracismo, mesmo agora que seu partido, a CDU (democracia-cristã) tem grandes chances de voltar ao poder. Motivo: um escândalo em torno de financiamento irregular de campanha eleitoral.

Familiar? Pois é. E o dinheiro, diga-se, nem foi para o bolso de Kohl. Pagou assim mesmo o preço político. Por que, então, Luiz Inácio Lula da Silva deve ser inocentado a priori? Se há culpas no PT, como se deduz da pressão do próprio Lula para afastar a cúpula partidária, o presidente não pode ficar imune. Não se trata, como no caso alemão, de suspeitar de que Lula tenha posto dinheiro no próprio bolso, mas de ter claro que as irregularidades de que são suspeitos os dirigentes do PT visavam beneficiar o partido, sim, mas o governo do partido também. Digamos que Lula não soubesse de nada. É inocente por isso? Não. É culpado por omissão. No mínimo, por ter aceitado que outros líderes do partido aparelhassem o PT para agir em benefício do governo e da reeleição do principal líder petista.

Antes que os descerebrados adeptos da teoria da conspiração comecem a berrar, já vou avisando: não, não é o caso de impeachment. Pelo menos com o que se sabe até agora. Mas já é, sim, o caso de uma distribuição adequada de responsabilidades. A defenestração da cúpula do PT pode ajudar o governo a sair da catatonia e a encontrar uma linha de defesa menos inepta, mas não basta para inocentar o presidente.

Artigo publicado na Folha de São Paulo em 05/07/2005 e reproduzido no RA em 07/07/2005.