segunda-feira, junho 02, 2008

TRE censura banner do Gabeira

Do Gabeira.com

Depois que o TRE notificou o deputado Fernando Gabeira pelo que considerou "propaganda extemporânea" feita pelo site www.slglab.com.br/gabeira, criado à revelia do deputado, começou na blogosfera um intenso debate sobre propaganda eleitoral e a liberdade de expressão na internet. Em seu blog, de onde precisou tirar um banner a favor da candidatura de Gabeira à prefeitura do Rio, depois da notificação do TRE, o jornalista Pedro Doria foi um dos primeiros a discutir o tema:

Sobre o que é censura e o que podemos dizer

Pedro Doria

Há uma boa discussão acontecendo no post sobre a censura ao Weblog. Acho que algumas questões valem ser trazidas à frente – para mim é uma questão de princípios.

A questão, polêmica, está se espalhando na Internet. É bom que discutamos.

Alguns de vocês sabem que passarei um ano em Stanford, nos EUA, estudando justamente as pressões que os tempos correntes impõem às democracias. Me é uma discussão muito cara. E, dos direitos básicos das democracias, considero a liberdade de expressão o maior de todos. Se o Estado não impuser limites naquilo que a sociedade pode dizer e discutir, o resto se resolve.

Algumas das questões que vocês levantaram:

1. Há uma lei que diz que propaganda eleitoral não pode. Lei pode ser mudada mas lei se obedece.

Na verdade, não é tão simples. Leis estão subordinadas à Constituição Federal que diz:

Artigo 5º, parágrafo IV: É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.

E o parágrafo IX: É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença.

Evidentemente, cabe aos juízes interpretarem se uma lei é constitucional ou não. Para mim, esta evidentemente é inconstitucional. O juiz blogueiro Jorge Araújo concorda (leia aqui).

É evidente que leis do tipo são polêmicas. Os EUA foram o primeiro país a determinar na Constituição este tipo de liberdade num parágrafo de uma elegância ímpar: O Congresso não fará lei que trate de religião ou proíba seu exercício; tampouco escreverá leis que tratem da liberdade de expressão ou de imprensa; ou a respeito do direito das pessoas de se reunirem e cobrarem algo do governo.

É isto: o Congresso sequer pode legislar a respeito. O direito à livre expressão é absoluto.

2. Mas isso não é sua opinião. É propaganda.

Talvez o banner possa ser encarado como propaganda, sim. Ou como um ícone que leva a uma página. Mas qual é a diferença? Propaganda é uma forma de comunicação não mais ou menos nobre do que um texto jornalístico ou um artigo de opinião. É a manifestação de uma idéia usando uma forma específica.

A propaganda deve estar livre de censura da mesma forma que qualquer outra forma de expressão. Afinal, quem realmente define o que é propaganda? Se abrimos uma brecha para que o Estado censure uma espécie de comunicação, logo haverá alguém disposto a chamar de propaganda o que quiser.

Uns poderiam argumentar que há limites para a propaganda de cigarro. Ou de bebidas alcoólicas. É verdade. Sou contra tais limites. Sou contra quaisquer limites à liberdade de expressão. Não sou contra a intervenção com uma mensagem como ‘O Ministério da Saúde adverte’. Independentemente disso, os limites não proíbem a veiculação da propaganda. Se me obrigassem a incluir um aviso ‘Isso é só minha opinião’ e tudo mais, eu incluiria. Mas estou no momento proibido de manifestar minha opinião da forma que quero num espaço que me pertence.

Esta é uma ressalva importante. E se alguém pusesse um cartaz de propaganda política na janela de seu prédio bem localizado? Pessoas fazem isso. E devem ter o direito de fazê-lo. E se alguém espalhasse cartazes pela cidade ou pichasse muros? É diferente. Se o poste ou o muro não lhe pertencem, você não pode interferir ali. Sua liberdade de expressão se limita ao que é seu e você deve financiá-la. Você pode subir num banco em praça pública e se manifestar. Escrever à máquina, pagar pela xerox e distribuir seus panfletos.

Isso dá poder demasiado para quem tem nas mãos um grande veículo de comunicação? Mas é evidente que dá. Por isso é que rádio e tevê são concessões públicas. Por isso que o exercício da crítica à imprensa é importantíssimo. E por isso que a Internet é revolucionária.

3. Estamos falando de blogs. Imagine se um grande portal decidisse fazer propaganda para um candidato?

Pessoalmente, não teria nada a opor. Como disse: a livre expressão é um direito absoluto. Construa um grande portal, angarie influência e se manifeste politicamente como bem entender. Na Internet, é possível.

A idéia de que um portal poderia se manifestar a respeito de uma candidatura soa estranho, na verdade, porque não estamos habituados com a real liberdade de expressão. Nos EUA, é tradição em todos os jornais que se manifestem a favor de uma candidatura. A revista britânica The Economist costuma se manifestar a favor de candidatos na maioria dos países que cobre. E, às vezes, se manifesta contra – o italiano Silvio Berlusconi que o diga.

Quando um veículo de comunicação se manifesta publicamente, ele está sendo mais transparente, não menos. E uma das lições da Internet, diariamente comprovada aqui mesmo no Weblog, é que leitores são críticos e têm opiniões próprias. Posso convidar a uma discussão, isto não quer dizer que todos concordarão comigo.

E, por fim, mesmo no Brasil há pencas de histórias de jornais e revistas que fazem campanha, sim, para determinados grupos políticos ou contra eles. Às vezes, por motivos bem pouco nobres. Em geral, sem transparência.

(Antes que alguém o diga, esta não é uma tirada contra a Veja ou a Carta Capital. Ambas são bem claras em como se posicionam politicamente.)

4. O banner dava ao candidato uma vantagem indevida perante os outros.

Dava porque a lei não permite. Mas é um limite artificial. Nada impede que qualquer candidato se manifeste via Internet ou que qualquer blogueiro abra o espaço que desejar para manifestar seus apoios. Aliás, este é justamente o meio de comunicação em que qualquer vereador pode concorrer em pé de igualdade com os candidatos mais ricos.

Evidentemente, alguns candidatos terão mais espaço do que outros porque terão mais apoio. Isso é dado pela democracia. E, como Ron Paul percebeu nos EUA, ter mais espaço na web do que seus concorrentes não quer dizer qualquer aumento de suas chances eleitorais.

5. Pára com isso. Propaganda eleitoral não pode antes do período eleitoral e pronto.

Devia poder. Somos políticos. Fazer ‘propaganda’ é fazer ‘propagar’ idéias. Uma democracia não é completa se não podemos nos manifestar a favor de determinadas candidaturas quando bem o quisermos sem que o Estado se intrometa.

6. Seu novo banner é uma ‘agressão gratuita à instituição judiciária’.

Esta é a única crítica que recebi e me surpreendeu. Que não fiquem dúvidas: o Tribunal me censurou. Censura é isso, é dizer que não pode publicar algo em meu espaço. Uma intromissão em minha liberdade de colocar o que quiser aqui. Uma inteferência em minha independência editorial. Esta é a informação no novo banner. E este aqui, no Brasil, ainda é um regime democrático mesmo que capenga. Um Estado de leis. O tribunal decidiu que não posso publicar, não publico. Mas digo que fui censurado.

Não preciso publicar poema de Camões ou receita de bolo, não deixo espaço em branco para dar a entender que fui censurado.

Hoje, tenho o direito de dizer ‘o que antes estava aqui não está mais porque um Tribunal disse que não pode estar’.

Não tenho qualquer saudades do tempo em que não podia dizê-lo. Tenho certeza de que os juízes concordam comigo.

7. Você não tem que escrever. Tem que brigar na Justiça.

Sou jornalista. Escrevo.

Mas há muitos, entre grandes órgãos de imprensa, portais e candidatos, lutando na Justiça neste exato momento contra as restrições atuais.

O que aconteceu aqui foi muito simples: um tribunal decidiu que um determinado tipo de conteúdo não poderia aparecer no Weblog. Não é que tenha ofendido alguém e estou sendo processado por injúria, difamação. Porque o conteúdo não era adequado à época do ano.

Que tipo de conteúdo? Conteúdo político. Há limites para o que posso manifestar politicamente. Esta é uma questão que tem a ver com nossos direitos mais básicos numa democracia.

Atualização - Não pode se manifestar a favor de crime? Não pode demonstrar racismo? Sei que há limites para a expressão da opinião no Brasil. Na verdade, o que qualquer jurista dirá é que a Constituição é contraditória no assunto e a batata quente cai na mão dos juízes. Mas reitero: considero que, para uma democracia ser plena, a liberdade de expressão deve ser absoluta. Isso nem sempre é bonito mas sempre representa o que somos e o que pensamos às claras.

No fundo, a questão é a seguinte: confiaremos que cada cidadão será responsável pelo que pensa ou pelo que diz e que responderá pelas conseqüências? Ou determinaremos que o Estado deve interferir nesta liberdade? Fico com a primeira.

Humilhou alguém de outra etnia? Que seja processado, julgado, multado, preso. Um crime foi cometido por conta sua verve? Se for comprovado, que a Justiça decida o veredito. Da última vez que a idéia de incitação ao crime foi levantada foi para impedir um grupo de cidadãos que pretendia se manifestar pela mudança de uma lei.