sexta-feira, maio 12, 2006

E quem vai apagar as luzes?

Do Blog do Sérgio Dávila

Essa é de casa, ninguém contou. Ele e ela estavam no hotel Four Seasons de Beverly Hills, em Los Angeles, para as entrevistas de lançamento do filme "Missão Impossível 3". Às dez da noite, sentaram-se no Gardens para jantar. Antes da sobremesa, ele se levantou para ir ao banheiro. Foi quando um senhor, duas mesas para a direita, com um acompanhante coreano, se virou para ela e disse:

"Que língua é essa que vocês estão falando?".

É uma pergunta freqüente na Gringolândia, já que os americanos têm o ouvido treinado para decifrar o espanhol, as línguas de origem árabe e olhe lá.

"Português", respondeu ela, ainda simpática.

"E você não acha que deveria tentar falar a nossa língua quando está no nosso país?", revidou o senhor.

"Não. E o senhor não acha que não deveria ficar ouvindo a conversa dos outros?", respondeu ela, meio brincando, meio achando o velhinho bem abusado.

"Quando você volta para a sua casa?", perguntou o senhor.

"Em dois dias".

"Você mora no Brasil?"

"Não."

"Sabia que existem mais de 11 milhões de imigrantes ilegais nos Estados Unidos?"

"O senhor não precisa se preocupar nem comigo nem com meu amigo. Nós temos tanto visto como muita vontade de voltar ao Brasil."

"Os imigrantes ilegais são o maior problema deste país hoje em dia, nós temos de pagar impostos mais altos do que seriam por eles e lidar com muitos problemas sociais que eles causam, como a violência urbana e o tráfico de drogas."

"Eu imagino que o senhor tenha uma idéia brilhante de como resolver isso?"

"Temos de prendê-los e mandá-los de volta ao país de onde vieram, é o jeito."

"E o senhor está preparado para limpar seus banheiros, se servir sozinho nos restaurantes, recolher o lixo e mandar seus filhos, netos e bisnetos para as próximas guerras que os EUA inventarem?"

"Esse argumento é ridículo. Tem muito americano desempregado, que não aceita qualquer salário, como os ilegais."

"Nós dois estamos aqui a trabalho, não se preocupe."

"Trabalho, trabalho, é isso que todo imigrante vem dizendo que quer, aí começam as gangues, a violência, o tráfico de drogas. Fora os que chegam dizendo que vieram fazer turismo e depois nunca mais vão embora. Temos de mandar todos embora."

"O senhor faça como quiser."

"É claro que a senhorita não se irrita com esse assunto, este não é o seu país e tanto faz que centenas de latinos atravessem o deserto todas as noites. Temos de controlar nossas fronteiras."

"E que tal mandar todos para o Iraque? O problema dessa guerra injusta que o seu país inventou não é também a falta de soldados? Dê uma M-16 para cada ilegal, está resolvido o problema."

"A senhorita mistura dois assuntos que não têm nada a ver um com o outro."

"Não mesmo?"

"A senhorita está tentando fazer com que meu argumento pareça ridículo".

"Não, só estou tentando me livrar dessa conversa estranha."

"TEMOS DE MANDAR TODOS OS ILEGAIS EMBORA", gritou o senhor, assustando seu ajudante coreano, que pediu a conta correndo.

"Se o senhor parar de me aborrecer com essa conversa, vai ter mais energia para perseguir os ilegais."

"Vocês latinos acham que tudo é piada."

Foi sentando na cadeira de rodas e, já a caminho da porta, pediu para o coreano parar.

"Boa noite, senhorita", disse, de longe. "Aproveite sua estada na América", concluiu, confundindo o nome do país com o do continente e revelando, involuntariamente, a origem de toda a briga.