segunda-feira, maio 21, 2007

Um novo cinema novo

Artur Xexéo

Há dois meses, o jornal britânico "The Guardian" perguntou a seus leitores qual o melhor filme estrangeiro de todos os tempos. O resultado foi publicado na semana passada. Por estrangeiro entenda-se filme falado em língua não-inglesa. É por isso que, na lista dos leitores do "Guardian", não apareceu nenhum Coppola, nem ao menos um Scorsese, filme americano algum. Tecnicamente, filmes americanos são estrangeiros na Grã-Bretanha. Mas eles não valiam para a enquete do "Guardian". Para horror dos críticos do jornal, deu "Cinema Paradiso" na cabeça. Eles não se conformaram de o filme de Giuseppe Tornatore ser considerado melhor do que "M, o vampiro de Dusseldorf", de Fritz Lang, ou do que "As regras do jogo", de Jean Renoir.

Tenho uma relação de amor e ódio com o filme de Tornatore. A primeira vez que em que o vi, não me falou ao coração. Achei um melodrama banal. Mas, anos depois, tive a chance de assistir à sua versão completa, a versão que foi vista pela platéia da estréia em Roma, quando ele foi rejeitado pela crítica e recebido com indiferença pelo público. A partir daí, é História: o cineasta remontou o filme, levou-o ao Festival de Cannes com quase uma hora a menos, e "Cinema Paradiso" virou o queridinho do planeta, ali pelo fim dos anos 1980. Pois a versão original é arrebatadora. Tenho uma cópia em DVD que volta e meia me chama para vê-la mais uma vez. Eu a incluiria sem culpa na minha lista lista de filmes perfeitos, entre "O bebê de Rosemary" e "Era uma vez na América". Os críticos do "Guardian" que se danem.

Mais de 2.500 pessoas dispuseram-se a responder à pergunta, votando em três filmes cada uma. No total, foram votados mais de 500 filmes diferentes. Mas a boa notícia é que, entre os 40 filmes mais votados na enquete, aparece "Cidade de Deus" de Fernando Meirelles, num mais do que honroso quarto lugar (perde só para "O fabuloso destino de Amélie Poulain", de Jean-Pierre Jeunet, e "Os sete samurais", de Kurosawa, além do "Paradiso", é claro). Outro brasileiro aparece em 30º lugar: "Central do Brasil", de Walter Salles.

E daí vem a pergunta que não quer calar: que fim levaram Glauber Rocha, Joaquim Pedro e outros cineastas dos anos 1960 que, até então, eram os grandes nomes do cinema brasileiro no exterior?

Pode-se sempre argumentar que uma lista encabeçada por "Cinema Paradiso" e com "Amélie Poulan" com vice-campeão dá impressão de ter sido feita por cinéfilos que acreditam que o cinema foi inventado há menos de 30 anos. Mas não é bem assim. O terceiro lugar de "Os sete samurais", um filme de 1954, não é uma exceção. Estão entre os 40 mais cineastas como Pontecorvo !"A batalha de Argel"; de 1966); Godard ("Acossado", de 1960), De Sica ("Ladrão de bicicletas", de 1948), Truffaut ("Jules e Jim", de 1962) e Fellini ("A doce vida", de 1960). Bergman aparece duas vezes, com "Morangos silvestres" e "O sétimo selo", ambos de 1957. Nada de "Antonio das Mortes" ou "Vidas secas". Pelo jeito, há um novo cinema novo brasileiro com mais força do que outros para atingir corações e mentes do resto do planeta.

Publicado na Revista O Globo, em 20 de maio de 2007.